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Crítica

Jards Macalé

: "Coração Bifurcado"

Ano: 2023

Selo: Biscoito Fino

Gênero: Samba

Para quem gosta de: Itamar Assumpção e Elza Soares

Ouça: Amor In Natura e Grãos de Açúcar

8.5
8.5

Jards Macalé: “Coração Bifurcado”

Ano: 2023

Selo: Biscoito Fino

Gênero: Samba

Para quem gosta de: Itamar Assumpção e Elza Soares

Ouça: Amor In Natura e Grãos de Açúcar

/ Por: Cleber Facchi 12/05/2023

Amor, matéria-prima há muito desgastada, surge como o principal ingrediente do mais recente trabalho de estúdio de Jards Macalé, Coração Bifurcado (2023, Biscoito Fino). Entretanto, ao mergulhar nas canções do registro que tem direção artística assinada em colaboração com Romulo Fróes, parceiro desde Besta Fera (2019), não espere pelo óbvio. Como tudo aquilo que o cantor, compositor, ator e violonista carioca tem produzido em mais de cinco décadas de carreira, experiências, temas e sentimentos talvez comuns são deliciosamente corrompidos pela poesia labiríntica e vozes sempre carregadas do músico fluminense.

Acompanhado de Guilherme Held (guitarra), Pedro Dantas (baixo), Thomas Harres (bateria, percussão) e Rodrigo Campos (guitarra, cavaquinho e percussão), também responsáveis pela produção do material, Macalé sintetiza logo na introdutória Amor In Natura parte das temáticas e da sonoridade que orienta a experiência do ouvinte ao longo da obra. “O amor pode tudo, o amor não pode nada“, canta em meio a camadas de guitarras e estruturas espiraladas que dão voltas na cabeça do ouvinte, reforçando o misto de obsessão, entrega, desejo e doce delírio estimulado pelo amor em suas diferentes formas de interpretação.

É partindo dessa abordagem, muitas vezes contraditória sobre o que é o amor, que Macalé estabelece um precioso elemento de aproximação entre as composições. “Pode mentir / E pode até morrer / Só não pode o amor matar“, afirma em Pra Um Novo Amor Chegar, canção em que parte de pequenas indagações e oferece algumas respostas de forma a estreitar laços com o ouvinte. Já outras, como a própria faixa-título, parceria com o músico paulistano Kiko Dinucci, utiliza de uma abordagem ainda mais interessante, mergulhando em um canto para Exu que trata sobre os amores que acontecem nas encruzilhadas da vida.

E como amor é sentimento para ser compartilhado, Macalé abre passagem para que diferentes vozes, todas femininas, deem suas interpretações sobre os temas abordados pelo músico. Em Mistérios do Nosso Amor, é o canto de Maria Bethânia que enche os ouvidos em uma criação que poderia facilmente ser encaixada em obras como Álibi (1978) e Mel (1979). Ná Ozzetti, por sua vez, leva o disco para outra direção na minimalista Simples Assim, canção em que desfila solitária ao som de uma guitarra. Surge ainda Amo Tanto, composição originalmente interpretada por Nara Leão no álbum Nara Pede Passagem (1966), mas que funciona como um doce respiro dentro do repertório montado pelo artista em Coração Bifurcado.

Embora rodeado por diferentes colaboradores, instrumentistas e vozes durante toda a construção do material, Macalé garante algumas de suas melhores composições justamente quando se distancia de possíveis excessos. E isso fica mais do que evidente em Grãos de Açúcar. Composta em parceria com Alice Coutinho, a faixa chama a atenção pela forma como o músico utiliza da voz consumida pelo tempo em comunhão com o violão reducionista. Um pouco mais robusta, mas ainda contida, é A Arte de Não Morrer, delicada reflexão sobre a morte e o período de instabilidade vivido durante a pandemia de Covid-19.

São essas pequenas fugas conceituais, direcionamento também reforçado na poesia urbana de A Foto do Amor, que distanciam o álbum de um resultado possivelmente monotemático. Em Coração Bifurcado, Macalé mergulha de cabeça em diferentes interpretações e olhares sobre o amor romântico, porém, na maior parte das vezes, se esquiva sem dificuldades de um resultado previsível. São amores carcomidos, rotos e, por isso mesmo, verdadeiros, resultando em um estimulante jogo de confissões sentimentais que captura a atenção do ouvinte, convence pela inegável força das emoções e provoca na mesma proporção.

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Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.