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Crítica

John Cale

: "Mercy"

Ano: 2023

Selo: Domino

Gênero: Art Pop

Para quem gosta de: David Bowie e Loou Reed

Ouça: Noise of You e Night Crawling

7.8
7.8

John Cale: “Mercy”

Ano: 2023

Selo: Domino

Gênero: Art Pop

Para quem gosta de: David Bowie e Loou Reed

Ouça: Noise of You e Night Crawling

/ Por: Cleber Facchi 24/01/2023

Mercy (2022, Domino) é um delicado estudo sobre a sociedade norte-americana. Primeiro registro de inéditas de John Cale em mais de uma década, o trabalho parte de observações do compositor galês sobre o avanço do conservadorismo, o governo de Donald Trump, a crise climática e a pandemia de Covid-19, porém, cresce em meio a memórias de um passado distante e recordações empoeiradas do ex-integrante do grupo The Velvet Underground. Composições que detalham a imagem de um homem velho, talvez desprovido de esperança, porém, ainda ativo e interessado em tensionar a experiência do ouvinte.

Sequência ao material entregue em M:FANS (2016), em que apresentou diferentes interpretações para o repertório apresentado em Music for a New Society (1982), Mercy é um trabalho que se revela em uma medida própria de tempo, sem pressa. São canções propositadamente lentas e extensas, como um espaço aberto aos experimentos e ambientações sombrias do músico galês. A própria composição de abertura, com exatos sete minutos de duração, funciona como uma boa representação desse resultado. Um lento desvendar de informações que se completa pela interferência criativa da sempre inventiva Laurel Halo.

E ela não é a única. Assim como nos registros anteriores, Cale utiliza do trabalho para estreitar relações com diferentes colaboradores, em sua maioria, nomes recentes. É o caso de Weyes Blood. Parceira na já conhecida Story Of Blood, a artista surge de forma fantasmagórica, detalhando fragmentos de vozes que ecoam durante toda a execução da faixa. Quem também chama a atenção são os integrantes do Fat White Family, com quem o músico divide a labiríntica The Legal Status of Ice, canção que destaca o uso de temas sintéticos, conceito também testado em Marilyn Monroe’s Legs (Beauty Elsewhere), parceria com Actress.

Sétima faixa do disco, Everlasting Days é outra composição que se destaca pela forma como Cale usa dos convidados a seu favor. Acompanhado de Panda Bear e Avey Tare, do Animal Collective, o músico brinca com a construção de uma canção que tende aos temas psicodélicos dos dois colaboradores, porém, consumidos pelos temas soturnos que se fazem evidentes durante toda a execução do trabalho. Essa mesma combinação de elementos acaba se refletindo minutos à frente, em I Know You’re Happy, criação que destaca o lado mais acessível do registro e ainda se completa pela participação da cantora Tei Shi.

Mesmo rodeado de colaboradores, curioso perceber nos momentos em que Cale atua de forma solitária a passagem para algumas das melhores composições do disco. É o caso de Night Crawling, música inspirada pelas andanças noturnas e excessos ao lado de David Bowie, destacando o lado sentimental do artista. O mesmo acontece na delicada Noise Of You. Enquanto se aprofunda na construção dos arranjos e uso das vozes como um precioso instrumento, o músico trata do amor como um ruído estranhamente atrativo. “Esperando minha audição voltar / Para que eu possa ouvi-lo novamente / Era o seu barulho“, canta.

Entre momentos de maior vulnerabilidade emocional e composições que destacam o lirismo contestador de Cale, Mercy se projeta como uma obra essencialmente equilibrada. Mesmo dotado de ritmo próprio, o que talvez distancie o ouvinte mais apressado, prevalece no lento desvendar as informações o principal componente criativo do trabalho. São delicadas camadas instrumentais, bases acinzentadas e batidas reducionistas que se completam pela voz carregada do artista. Um espaço de compartilhamento que destaca a capacidade do compositor em estreitar laços e testar limites por meio do processo artístico.

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Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.