Image
Crítica

Kali Malone

: "Does Spring Hide Its Joy"

Ano: 2023

Selo: Ideologic Organ

Gênero: Experimental, Drone

Para quem gosta de: Tim Hacker e William Basinski

Ouça: Does Spring Hide Its Joy v1 e v2

8.0
8.0

Kali Malone: “Does Spring Hide Its Joy”

Ano: 2023

Selo: Ideologic Organ

Gênero: Experimental, Drone

Para quem gosta de: Tim Hacker e William Basinski

Ouça: Does Spring Hide Its Joy v1 e v2

/ Por: Cleber Facchi 30/01/2023

Does Spring Hide Its Joy (2023, Ideologic Organ) é um exercício criativo deliberadamente lento, imersivo e extenso. São pouco mais de três horas de duração em que pequenas oscilações instrumentais são cuidadosamente orquestradas e reveladas ao público pela compositora e pianista norte-americana Kali Malone. E isso tem um motivo. Concebido entre os meses de março e maio de 2020, durante um dos momentos de maior angústia da pandemia de Covid-19, o trabalho de três composições funciona como uma manifestação das incertezas e do arrastado período de instabilidade causado pela avanço da doença.

Como a maior parte do mundo, minha percepção do tempo passou por uma transformação significativa durante os confinamentos pandêmicos. O tempo parou até que mudanças sutis no ambiente sugeriram que houve uma passagem“, disse a artista que utilizou de salas vazias do Funkhaus Berlin, na Alemanha, para produzir o material. Isolada, Malone contou apenas com a colaboração de um número reduzido de parceiros criativos, caso da violoncelista estadunidense Lucy Railton e o guitarrista Stephen O’Malley, um dos integrantes do grupo Sun O))), mas que já contribuiu com nomes como Scott Walker e Thurston Moore.

O resultado desse processo está na construção de uma obra que ganha forma e cresce em uma medida própria de tempo. E isso fica bastante evidente nos mais de 60 minutos de duração da introdutória Does Spring Hide Its Joy v1. Partindo de um lento desvendar de informações, Malone, que aqui abandona os habituais órgãos de tubos para se dedicar ao uso de sintetizadores, usa dos 20 minutos iniciais da composição para ambientar o ouvinte. São bases minimalistas que delicadamente se abrem para a movimentação das cordas e texturas ruidosas que pouco a pouco escapam das guitarras de O’Malley.

Na verdade, é somente com a chegada da composição seguinte, Does Spring Hide Its Joy v2, que o trio evidencia maior domínio sobre a própria obra e passa a testar os próprios limites. Enquanto Malone corre ao fundo da canção, Railton utiliza da agitação sutil do violoncelo para garantir movimento ao material. Minutos à frente, O’Malley, que inicialmente se articula de maneira discreta, rompe com qualquer traço de conforto e deixa com que os ruídos inundem a criação, tratamento que se completa pelas ondulações sintéticas da pianista, como um avanço claro em relação ao último trabalho de estúdio, Living Torch (2022).

Com Does Spring Hide Its Joy v3 como composição de encerramento, o trio naturalmente esbarra em pequenas repetições, exaurindo o ouvinte, porém, utiliza da longa duração da faixa para provar de novas possibilidades. Exemplo disso acontece no núcleo da canção, quando as guitarras de O’Malley quase silenciam, as cordas de Railton ganham maior destaque e Malone tende ao uso de ambientações cósmicas, como uma extensão natural do repertório entregue em Living Torch. É como uma inversão da atmosfera sufocante que embala os minutos iniciais do registro, alcançando um resultado quase transcendental.

Dessa forma, ao dividir o trabalho em três movimentos, Malone vai além de um exercício de estilo e faz de Does Spring Hide Its Joy uma verdadeira jornada instrumental, colaborativa e emocional. É como uma manifestação particular de tudo aquilo que a artista viveu durante o período de isolamento social, porém, partindo de um elemento bastante específico: o tempo. Instantes em que a compositora parte da lenta sobreposição dos elementos, conceito expresso nas diferentes camadas da própria imagem de capa, para estimular sensações que vão do tédio à completa ausência de certeza gerada pela pandemia de Covid-19.

Ouça também:

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.