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Crítica

Kamau

: "Documentário"

Ano: 2024

Selo: Plano Audio

Gênero: Hip-Hop, Rap

Para quem gosta de: Emicida e Rashid

Ouça: Uniforme, Classe e Nós

8.2
8.2

Kamau: “Documentário”

Ano: 2024

Selo: Plano Audio

Gênero: Hip-Hop, Rap

Para quem gosta de: Emicida e Rashid

Ouça: Uniforme, Classe e Nós

/ Por: Cleber Facchi 26/02/2024

Dizem que é nos menores frascos que se escondem os melhores perfumes e os piores venenos. No caso de Kamau, as rimas mais impactantes. Em Documentário (2024, Plano Audio), primeiro trabalho de estúdio do rapper paulistano após um intervalo de mais de uma década, cada uma das composições que abastecem o disco se resolvem em um intervalo de pouco mais de um minuto de duração. Um repertório essencialmente enxuto e livre de possíveis excessos, porém, tão denso quanto qualquer outro registro revelado pelo artista.

Entregue ao público em pequenas doses ao longo do último ano, porém, somente agora organizado pelo rapper, o trabalho naturalmente peca pela ausência de surpresa na mesma medida em que cresce como uma obra única. São composições marcadas pelo reducionismo das batidas, uso de bases atmosféricas e vozes posicionadas em primeiro plano, trazendo uma clareza nas formação dos versos que potencializa a mesma riqueza de ideias e poesia afiada explícita nos antecessores Non Ducor Duco (2008) e Entre (2012).

Uma das primeiras composições do trabalho a serem reveladas ao público, Uniforme, entregue em abril do último ano, funciona como uma boa representação desse resultado. Em um intervalo de apenas um minuto, Kamau reflete sobre a própria trajetória artística, a sensação de deslocamento dentro do atual cenário e a realidade forjada pelas redes sociais. “Sou carta fora do baralho sem destinatário / Escrita a próprio punho, sem cunho desnecessário / Caligrafia estranha mas que ainda comunica / Melhor do que imagem falsa que hoje se publica“, rima em um exercício criativo tão provocativo quanto libertador, sempre direto ao ponto.

É como um acumulo natural das experiências e conflitos internos vividos pelo rapper ao longo da última década. Canções que funcionam como um passeio pela mente do artista paulistano, trazendo ao disco uma fluidez poucas vezes antes vista dentro da obra de Kamau. “Criando no mesmo espaço, requer bem mais compromisso / Agradecido, não foi o que era pra ter sido / Foi o que tinha que ser, nada pré-estabelecido“, reflete na introdutória DoisTrês, música que sintetiza parte das inquietações e reflexões que regem o disco.

Se por um lado essa curta duração das composições favorece a criação de um repertório que rapidamente destaca a ideia central dentro de cada música, por outro, contribui para o aparecimento de canções menos impactantes e talvez incompletas. São criações como Área e Retrato que se encerram tão rápido quanto se iniciam, sendo incapazes de criar qualquer forma de conexão com o ouvinte. Já outras como a delicada Nós, em que evidencia o aspecto emocional dos versos, prevalece a sensação de que estamos de posse de um material que merecia ser ampliado pelo rapper, soando como uma peça que parece refém do formato.

Entretanto, por se tratar de uma obra curta, Documentário acaba disfarçando suas pequenas imperfeições pela rápida substituição de composições que logo destacam a força das rimas do artista. Mais do que isso, notável é o poder de síntese do rapper em condensar temáticas complexas, conflitos e tormentos pessoais sem necessariamente parecer raso. E não poderia ser diferente. Com mais de duas décadas de carreira, Kamau evidencia o completo domínio sobre a própria criação, fazendo desse propositado reducionismo na construção dos versos o estímulo para um material que parece maior a cada novo regresso do ouvinte.

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Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.