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Crítica

Lambchop

: "The Bible"

Ano: 2022

Selo: Merge

Gênero: Alt. Country, Indie, Soul

Para quem gosta de: Bon Iver e Bill Callahan

Ouça: Little Black Boxes e So There

8.0
8.0

Lambchop: “The Bible”

Ano: 2022

Selo: Merge

Gênero: Alt. Country, Indie, Soul

Para quem gosta de: Bon Iver e Bill Callahan

Ouça: Little Black Boxes e So There

/ Por: Cleber Facchi 12/10/2022

A imagem de capa em The Bible (2022, Merge) é bastante representativa para entender tudo aquilo que Kurt Wagner busca desenvolver no 16º e mais recente trabalho de estúdio do Lambchop. Trata-se de um registro improvisado, uma fotografia da tela de um computador, com o teclado iluminado, mostrando a arte original do álbum. Um estranho cruzamento de informações que combina elementos analógicos e digitais, passado e presente de forma sempre provocativa, como uma interpretação estética do lirismo contrastante que o compositor norte-americano usa para explorar o atual cenário político e cultural dos Estados Unidos.

A exemplo de tudo aquilo que o músico tem produzido nos últimos anos, The Bible passeia em meio a paisagens urbanas, personagens e cenas sempre descritivas. São composições que começam nas ruas e ambientes decadentes, porém, crescem nas inquietações e pequenas reflexões geradas na cabeça do próprio artista. “Eu sou um pássaro sem nome que canta essa mesma música triste“, confessa Wagner logo nos minutos iniciais do material, em His Song Is Sung, faixa que sintetiza parte da melancolia e conceitos que embalam a experiência do ouvinte até os minutos finais do trabalho, na atmosférica That’s Magic.

Esse mesmo resultado fica ainda mais evidente em Whatever, Mortal, um soul torto que se aprofunda nas angústias de Wagner. “Através do grande abismo sombrio / É preciso um exército / Nós não somos um exército / Não estamos avançando“, reflete em meio a coros de vozes e pequenas fragmentações que mudam os rumos da obra de forma essencialmente abrupta, como pequenos choques de realidade. A própria Daisy, entregue minutos antes, parte de uma abordagem serena e doce, porém, é prontamente atravessada pelo uso de um efeito sonoro que rompe com qualquer traço de comodidade do trabalho.

Embora consumido pela dor e versos que sutilmente detalham a imagem de um país despedaçado pós-governo de Donald Trump, The Bible tem seus momentos de maior respiro. Segunda faixa do disco, Little Black Boxes funciona como uma boa representação desse resultado. Enquanto a letra da composição se aprofunda na vulnerabilidade dos sentimentos (“A melhor parte do dia / É passar a noite com você“), Wagner invade um território dançante poucas vezes antes visto na carreira do Lambchop. São guitarras funkeadas, sopros e vozes sempre marcadas pelo auto-tune, como uma delirante combinação de elementos.

E ela não é a única. Durante toda a execução do trabalho, Wagner e seus parceiros de banda utilizam do permanente atravessamento de informações, costuras e quebras instrumentais como um estímulo para o desenvolvimento do registro. São canções como So There, com seus teclados que apontam para a obra de Angelo Badalamenti, mas que lentamente se espalham em um ambiente labiríntico e ruidoso, lembrando as criações de Arthur Russell. Outra que chama a atenção é Police Dog Blues, com suas ambientações sintéticas e flertes com o R&B que ampliam tudo aquilo que o Lambchop havia testado em Mr. M (2012).

Observado de maneira atenta, The Bible soa como um acumulo natural de tudo aquilo que Wagner tem desenvolvido em mais de três décadas de carreira. Enquanto preserva parte do lirismo melancólico e temas políticos que tem sido incorporados em alguns dos principais trabalhos da banda, como What Another Man Spills (1998) e Nixon (2000), momentos de maior experimentação e diálogos com a produção eletrônica rompem com qualquer traço de conforto. É como se do material entregue em This (Is What I Wanted to Tell You) (2019) e Showtunes (2021), o músico revelasse uma obra ainda maior e mais complexa.

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Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.