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Ano: 2021

Selo: Balaclava Records / Geração Perdida

Gênero: Indie Rock, Punk Rock, Lo-Fi

Para quem gosta de: Gorduratrans e Fernando Motta

Ouça: Goiânia e Cabo Frio

6.0
6.0

Lupe de Lupe: “Lula”

Ano: 2021

Selo: Balaclava Records / Geração Perdida

Gênero: Indie Rock, Punk Rock, Lo-Fi

Para quem gosta de: Gorduratrans e Fernando Motta

Ouça: Goiânia e Cabo Frio

/ Por: Cleber Facchi 24/05/2021

Mesmo que esteja diretamente relacionada aos temas explorados em Sorocaba, quarta faixa de Lula (2021, Balaclava Records / Geração Perdida), difícil não pensar nos versos da composição assumida por Vitor Brauer como uma mensagem direta da Lupe de Lupe ao público fiel da banda. “Eu vou voltar / A fazer a canção normal que vai te agradar / Vou voltar a fazer o comum e vou parar“, anuncia, minutos após o forró-punk de Pelotas, música assumida pelo parceiro Renan Benini e talvez inimaginável dentro do contexto que marca os antecessores Vocação (2018) e Quarup (2014). É como se o quinteto, completo por Cícero Nogueira, Gustavo Scholz e Jonathan Tadeu, fizesse do quarto registro de inéditas uma curva breve dentro da própria discografia. Um material que a todo momento acena para um passado, porém, se permite provar de novas possibilidades e direções criativas em estúdio.

Conceitualmente diverso, o registro de 15 faixas faz de cada composição um objeto de estudo para o quinteto mineiro. A exemplo do que o próprio Brauer havia testado em História do Brasil (2016), com 52 versões para diferentes músicas do repertório nacional, o trabalho utiliza de inúmeras abordagens rítmicas e instrumentais que pouco se relacionam com as primeiras criações da banda, sempre imersas em ruídos, texturas e experimentos que vão do noise pop ao punk. Instantes em que o grupo belo-horizontino utiliza de elementos do samba (Contagem), reggae (Maceió) e baião (Fortaleza), porém, de maneira essencialmente anárquica e crua, proposta que esbarra no uso de captações caseiras, vozes submersas e guitarras que atravessam o material de forma desconcertante.

E por mais estranho que esse direcionamento possa parecer, a banda acerta em diversos momentos. Exemplo disso acontece em Contagem, música que parte de um samba descritivo e cotidiano, íntimo das criações de Tadeu em carreira solo, mas que ganha ainda mais destaque na base ruidosa e contrastada que cresce ao fundo da composição. A própria Salvador, extinguindo as vocalizações desencontradas que ocupam os minutos inicias da faixa, mostra a capacidade do quinteto em alternar entre momentos mais acessíveis, flertando com uma marchinha carnavalesa, e instantes de habitual experimentação. Um ziguezaguear de ideias que tende ao que há de mais radiofônico na produção nacional, mas que a todo momento regressa a um ambiente torto, próprio do grupo mineiro.

Claro que isso não exime a Lupe de Lupe de uma sequência de músicas totalmente amadoras e talvez desnecessárias. E isso fica bastante evidente na já citada Pelotas. Da rima pobre que invade a composição, talvez buscando emular uma criação radiofônica dos anos 1990 – “Pra ser o seu amante / Eu abri mão de viver pelo instante / Larguei cachaça e fui beber refrigerante” –, passando pelas guitarras que lembram uma versão pobre de Raimundos, tudo soa exageradamente cômico e deslocado. Esse mesmo resultado acaba se refletindo em Fortaleza, música que resgata parte da identidade caótica do grupo mineiro, porém, tropeça em um baião que mais parece um esboço do que uma versão finalizada, conceito reforçado pela voz repleta de tropeços e desencaixada de Tadeu.

Por outro lado, na mesma medida em que esbarra em uma seleção de músicas que prejudicam o rendimento da obra, Lula, inicialmente anunciado com o título de Trator, carrega algumas das melhores composições já produzidas pela Lupe de Lupe. É o caso de Goiânia. Com letra que discute cultura de cancelamento a partir da denúncia de estupro cometida pelo antigo baterista do Carne Doce, a faixa reflete a capacidade de Brauer em utilizar dos próprios conflitos como componente de diálogo com o ouvinte. “Todo mundo passa pano pra alguém / Mas não tem como mais passar pra você, Goiânia“, vocifera. A mesma força dos versos, porém, partindo de uma abordagem diferente, pode ser percebida em Cabo Frio, canção em que Benini parece encapsular todo um sentimento de juventude de forma preciosa, capaz de comunicar com diferentes gerações. “E lá todos os amores vão / Não importa a condição / Nem ficar rico, tão pouco ser da cena / Todos os amores estão / De férias do padrão / Só estar vivo já vale a pena“, canta.

Nesse sentido, Lula funciona como uma obra de sentimentos conflitantes. Mas qual trabalho produzido pela Lupe de Lupe ao longo da última década não foi assim? Na mesma medida em que desagrada e parece provocar o ouvinte, difícil não se deixar conduzir pelos temas propostos pelos quinteto mineiro. São canções que discutem conceitos políticos, incorporam diferentes aspectos rítmicos do cenário nacional, porém, a todo momento utilizam de uma linguagem própria da banda belo-horizontina. Um misto de desconstrução e reforço da própria essência, estrutura que invariavelmente tende ao excesso em instantes de maior instabilidade emocional, mas que em nenhum momento deixa de presentear o público com uma sequência de composições impactantes.

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Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.