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Crítica

Madonna

: "Madame X"

Ano: 2019

Selo: Interscope

Gênero: Pop, R&B, Dance

Para quem gosta de: Kylie Minogue e Lady Gaga

Ouça: God Control e Dark Ballet

6.8
6.8

“Madame X”, Madonna

Ano: 2019

Selo: Interscope

Gênero: Pop, R&B, Dance

Para quem gosta de: Kylie Minogue e Lady Gaga

Ouça: God Control e Dark Ballet

/ Por: Cleber Facchi 17/06/2019

Em um cenário marcado pelo avanço do conservadorismo, repressão a grupos marginalizados e evidente retrocesso cultural, Madonna parecia ter encontrado a base para um novo trabalho de essência política, regressando ao mesmo território criativo originalmente detalhado em American Life (2003). Não por acaso, a cantora e compositora norte-americana decidiu adotar a identidade de Madame X, título concebido pela coreógrafa Martha Graham (1894 – 1991) quando a artista tinha apenas 19 anos, e base para a personagem fictícia de uma espiã que viaja pelo mundo, “alterando identidades, lutando pela liberdade, trazendo luz para lugares escuros“, como resume o texto de apresentação da obra. Um conceito teoricamente fascinante, mas que na prática, está longe de funcionar.

Produto das experiências e vivências recentes da artista, hoje residente em Lisboa, Portugal, Madame X (2019, Interscope) utiliza desse conceito diverso como justificativa para o direcionamento torto dado às canções entregues por Madonna. Concebido a partir de diferentes fórmulas instrumentais e ritmos periféricos, o trabalho vai da música africana ao funk carioca em uma tentativa clara da artista em dialogar com alguns dos principais representantes da música atual. Falta clareza, consistência e maior refinamento na organização das ideias, estrutura que força a produção de uma obra exageradamente previsível quando próxima de outros exemplares da música pop, e pouco consistente no discurso político que a cantora busca alavancar.

De essência instável, como tudo aquilo que a Madonna vem produzindo desde Confessions on a Dance Floor (2005), último grande trabalho da carreira, Madame X se projeta muito mais como uma obra de ideias do que um registro completo, proposta que marca os antecessores Hard Candy (2008), MDNA (2012) e Rebel Heart (2015). Da tentativa clara em dialogar com a música brasileira, em Faz Gostoso, bem-sucedida colaboração com Anitta, passando pela atmosfera tribal de Batuka e Come Alive, cada composição do disco parece transportar cantora e ouvinte para um novo território criativo, proposta que reflete a completa versatilidade da artista, mas que pouco preserva a identidade de Madonna. Do encontro com Maluma, em Medellín, passando pelo R&B de Crave, colaboração com Swae Lee, não há nada aqui que não possa ser encontrado de forma melhor resolvida no trabalho de outros artistas.

É somente quando rompe com qualquer traço de previsibilidade que Madame X encanta e cresce. É o caso de Dark Ballet, música que utiliza de um pop atmosférico para mergulhar em temas orquestrais que replicam de forma delirante a obra Tchaikovsky. Faixa mais extensa do disco, God Control é outra composição que reflete o completo experimentalismo da artista. São pouco mais de seis minutos que a cantora parte de vozes em coro para o uso de batidas e temas eletrônicos que lembram a boa fase em Confessions on a Dance Floor. Um misto de passado e presente, estrutura que se completa pela letra da canção, centrada no necessário debate sobre desarmamento. Surgem ainda preciosidades como Killers Who Are Partying, um fado político em que discute homofobia, racismo e pobreza de forma provocativa, íntima dos antigos trabalhos da cantora.

De fato, sobrevive na poesia do álbum a real beleza de Madame X. “Eu fui para a extrema direita / Então eu fui para a esquerda / Eu tentei recuperar meu centro de gravidade / Eu acho que estou perdida / Eu tive que pagar o preço / Aquilo que mais magoa / É que eu não estava perdida“, canta em Extreme Occident, música que utiliza de sentimentos particulares para discutir o atual cenário político de forma metafórica, refinamento típico do clássico Ray of Light (1998). A própria Crazy, mesmo deslocada do restante da obra, traz de volta o romantismo agridoce e profunda entrega emocional explícita em Bedtime Stories (1994). “Eu dobrei meus joelhos para você como uma oração / Meu Deus, olhe para mim agora / Descasque minha fraqueza, camada por camada / Não sobrou nada para eu continuar“, canta.

Consumido pelos excessos e evidente erro na escolha de colaboradores como Quavo e Maluma, ambos marcados por declarações homofóbicas e misóginas, contrarias ao posicionamento do disco, Madame X cresce como uma tentativa clara da cantora em se adaptar aos novos tempos. Se por um lado o trabalho peca pela completa irregularidade dos elementos, corrompendo um dos melhores conceitos já apresentados pela artista, por outro, difícil escapar da seleção de músicas que parecem pensadas para capturar a atenção do ouvinte logo em uma primeira audição. Do pop eletrônico de I Don’t Search I Find, ao experimentalismo de Dark Ballet, Madonna utiliza dessa incerteza das ideias como base para uma de suas principais marcas criativas: a capacidade de brincar com a interpretação do público.


Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.