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Crítica

Mustafa

: "When Smoke Rises"

Ano: 2021

Selo: Regent Park Songs

Gênero: Hip-Hop, Soul, R&B

Para quem gosta de: Sampha, James Blake e Serpentwithfeet

Ouça: Stay Alive, Come Back e Capo

7.6
7.6

Mustafa: “When Smoke Rises”

Ano: 2021

Selo: Regent Park Songs

Gênero: Hip-Hop, Soul, R&B

Para quem gosta de: Sampha, James Blake e Serpentwithfeet

Ouça: Stay Alive, Come Back e Capo

/ Por: Cleber Facchi 10/06/2021

Mesmo que o reducionismo das batidas, melodias e vozes indique o oposto, When Smoke Rises (2021, Regent Park Songs), estreia Mustafa Ahmed, é uma obra imensa. Em um intervalo de poucos minutos, o cantor e compositor de Toronto não apenas se revela por completo, como confessa referências e estreita a relação com um time seleto de colaboradores vindos dos mais variados campos da música. São nomes como James Blake, Jamie XX e uma dezena de outros poetas e representantes da cena canadense que surgem e desaparecem durante toda a execução da obra, ampliando os domínios do trabalho. Instantes em que artista parte de inquietações e conflitos pessoais, porém, sempre imerso em debates políticos e versos descritivos que analisam diferentes aspectos da nossa sociedade.

E isso fica bastante evidente logo na música de abertura, Stay Alive. Partindo de uma base acústica, conceito que se reflete em grande parte da obra, a canção nasce como delicada reflexão sobre os conflitos de gangues que têm ceifado a vida de dezenas de jovens na periferia de Toronto. “Todas essas tribos e todas essas placas de rua / Nenhum delas será sua ou minha / Mas eu serei seu império / Apenas fique vivo, continue vivo, continue vivo“, clama. São versos dotados de uma leveza rara, ainda que sóbrios, como um olhar minucioso de Mustafa sobre o universo que o cerca. “Às vezes, a tristeza deve ser trabalhada, experimentada e sentida. Eu criei um projeto que está explorando uma tristeza que você não precisa interromper, uma tristeza que pode ser feita para se sentir bonita, elegante e, com sorte, honrar quem foi perdido”, comentou em entrevista ao The Guardian.

É como se Mustafa fosse capaz de encapsular o que há de mais doloroso e conflitante nas experiências vividas por qualquer adolescente ou jovem adulto, porém, distante de um discurso moralista. “Há uma guerra lá fora e não posso perder todos os meus filhos / Eu não posso escolher certo ou errado / Nós começamos e estouramos, mas estávamos sempre estourando“, discute em The Hearse, música que sintetiza parte desse direcionamento. São canções que se aprofundam em personagens, discutem cenas e acontecimentos de maneira sempre detalhista, tornando claro qualquer traço de incerteza. Um misto de canto e rima, estrutura que ganha ainda mais destaque nas captações submersas e vozes paralelas que atravessam de forma irregular parte das canções.

São justamente essas reverberações sujas e momentos de maior instabilidade que servem de alicerce para algumas das canções mais sensíveis do disco. Com produção de Frank Dukes (Rihanna, Frank Ocean), parceiro de Mustafa em parte expressiva da obra, a canção crescem em meio a camadas de pianos e vozes cuidadosamente trabalhadas dentro de estúdio, estrutura que ganha ainda mais destaque com a chegada do cantor e compositor britânico Sampha. “Sombras e pedras / Esse lugar não é mais nosso / Eu não posso ficar sozinho“, detalha a letra da canção que dialoga com os temas apontados pelo artista canadense, porém, utiliza de sentimentos e melodias que parecem vindas do delicado Process (2017), primeiro e bem-sucedido álbum de estúdio do artista convidado.

A mesma riqueza de detalhes acaba se refletindo na derradeira Come Back. Originalmente lançada em junho do último ano, a parceria com James Blake funciona como uma síntese conceitual de tudo aquilo que Mustafa busca desenvolver ao longo do trabalho. São melodias e bases cíclicas que se completam em meio a ruídos ocasionais e vozes tratadas como instrumentos. Instantes em que o artista se permite dialogar com outros nomes da música negra, como Serpentwithfeet e Moses Sumney, porém, carrega no lirismo político e pautas como a fé islâmica, criminalidade e morte um importante componente de distinção. Composições que se dividem entre a dor e momentos de maior acolhimento, marca de preciosidades como as confessionais What About Heaven? e Ali.

Tamanho esmero e evidente entrega no processo de composição garante ao público uma obra que apresenta o trabalho de Mustafa de forma eficiente, porém, se articula de forma ainda incompleta. Observado de maneira atenta, parte expressiva das faixas parecem muito mais com esboços do que versões finalizadas, efeito direto da constante ruptura e curta duração do material entregue pelo poeta canadense. Mesmo os convidados do disco, como Sampha e James Blake, parecem subutilizados, inviabilizando a construção de músicas talvez maiores e potencialmente complexas. Canções que apresentam ideias, incorporam temas e conceitos, mas que parecem muito mais interessadas em apontar direções e preparar o caminho para os futuros lançamentos do artista.

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Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.