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Crítica

Nicolas Jaar

: "Cenizas"

Ano: 2020

Selo: Other People

Gênero: Experimental, Música Ambiente, Eletrônica

Para quem gosta de: Leon Vynehall e Against All Logic

Ouça: Mud, Gocce e Sunder

8.0
8.0

Nicolas Jaar: “Cenizas”

Ano: 2020

Selo: Other People

Gênero: Experimental, Música Ambiente, Eletrônica

Para quem gosta de: Leon Vynehall e Against All Logic

Ouça: Mud, Gocce e Sunder

/ Por: Cleber Facchi 03/04/2020

Quem for com sede ao pote talvez acaba se decepcionando com o novo álbum de Nicolas Jaar, Cenizas (2020, Other People). Longe dos temas eletrônicos e flertes com as pistas testados nos antecessores Space Is Only Noise (2011) e Sirens (2016), o cantor, compositor e produtor nova-iorquino segue em meio a abstrações atmosféricas, texturas e inserções sempre econômicas, como se utilizasse de pequenos respiros detalhados nos discos anteriores como estímulo para grande parte das faixas. Um delicado exercício de imersão e parcial recolhimento criativo, conceito reforçado com naturalidade logo na imagem de capa do trabalho, com uma figura minimalista olhando para dentro de si mesma.

Não por acaso, toda a sequência de abertura, composta por Vanish, Menysid e a própria faixa-título do disco, segue de forma deliciosamente contida, como se Jaar economizasse ao máximo na inserção de cada elemento. São vozes submersas, sintetizadores trabalhados de maneira inexata e batidas ocasionais que preparam o terreno para o restante da obra. Instantes em que o produtor não apenas avança em relação aos antecessores Space Is Only Noise e Sirens, como sutilmente perverte tudo aquilo que tem sido apresentado no paralelo Against All Logic.

De fato, do momento em que tem início, na já citada Vanish, até alcançar a faixa de encerramento do disco, difícil não pensar em Cenizas como uma propositada desconstrução do material entregue no ainda recente 2017–2019 (2020). Enquanto o registro lançado há poucas semanas parecia ir de encontro às pistas, vide a colaboração com Lydia Lunch, em If You Can’t Do It Good, Do It Hard, e Fantasy, música montada a partir de trechos de Baby Boy, de Beyoncé e Sean Paul, com o presente álbum, Jaar segue o caminho oposto. São canções de essência climática, sempre introspectivas, conceito reforçado com naturalidade na base transcendental de Hello, Chain e Gocce, essa última, marcada pela lenta sobreposição de pianos e temas percussivos.

Claro que essa propositada economia na composição do trabalho não interfere na entrega de músicas essencialmente grandiosas, sempre detalhistas. É o caso de Mud. Faixa mais extensa do disco, a canção ganha forma em meio a ambientações densas, vozes tratadas como instrumentos e batidas fortes, estrutura que naturalmente aponta para o repertório testado em Sirens. A mesma força na composição dos elementos acaba se refletindo mais à frente, em Sunder. Do uso de ruídos metálicos ao tratamento dado aos sintetizadores, perceba como Jaar parece cercar o ouvinte, convidado a se perder em um universo de reverberações sujas, por vezes inquietantes.

Parte desse resultado vem do claro desejo do produtor em revisitar uma série de elementos originalmente testados no curioso Psychic (2013), primeiro registro da parceria com Dave Harrington, no Darkside. Do uso do saxofone, em Agosto e Rubble, passando pelas texturas e pianos fragmentados de Xerox, tudo soa como uma interpretação particular do material entregue há sete anos. Mesmo o tratamento dado aos arranjos e vozes de Mud, uma das principais faixas do disco, parece replicar parte da atmosfera detalhada em Paper Trails, conceito que se reflete em outros momentos ao longo do trabalho, como em Menysid e Sunder.

Com Faith Made of Silk como faixa de encerramento, Jaar naturalmente assume o tom de provocação, deixando para os últimos minutos do disco a sonoridade eletrônica que fez dele conhecido, vide o material entregue em Mi Mujer e No. Trata-se de uma obra em que o artista parece desafiar o próprio público, pervertendo todo e qualquer traço de segurança em prol de um registro que exige ser desvendado. Mesmo nos momentos de maior conforto, como em Garden, música que emula a leveza de Aphex Twin, em Avril 14th e Aisatsana [102], há sempre um componente ruptura. São ruídos e sobreposições etéreas que mudam de direção sem ordem aparente, proposta que orienta de maneira incerta a experiência do ouvinte até o último instante de Cenizas.


Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.