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Crítica

Raye

: "My 21st Century Blues"

Ano: 2023

Selo: Human Re Sources

Gênero: Pop, R&B, Soul

Para quem gosta de: Celeste e Little Simz

Ouça: Escapism e Blue Mascara

7.0
7.0

Raye: “My 21st Century Blues”

Ano: 2023

Selo: Human Re Sources

Gênero: Pop, R&B, Soul

Para quem gosta de: Celeste e Little Simz

Ouça: Escapism e Blue Mascara

/ Por: Cleber Facchi 03/01/2024

A pilha de instrumentos e diferentes equipamentos musicais escalados por Raye na imagem de capa de My 21st Century Blues (2023, Human Re Sources) funciona como um eficacíssima metáfora visual para aquilo que a artista inglesa busca desenvolver no primeiro trabalho de estúdio da carreira. Concebido de forma independente, após anos sob o controle da antiga gravadora, a Polydor, o álbum transita por entre estilos com uma naturalidade única. São canções que vão de clássicos da música negra ao que há de mais fresco na cena pop atual, como um precioso cartão de visitas que destaca a completa versatilidade da musicista.

Inaugurado de maneira pomposa, como se ambientado em um antigo clube de jazz, o álbum aos poucos ganha novas tonalidades e sustenta na construção dos versos o principal componente de amarra entre as canções que integram o disco. Trata-se de um registro de cura e libertação, porém, orientado por uma dor bastante presente. “Eu ainda estou me recuperando / Na verdade estou vulnerável, adoro um sentimento“, confessa logo nos minutos iniciais do trabalho, em Oscar Winning Tears, delicada criação que destaca a produção caprichada do parceiro Mike Sabath e apresenta parte dos elementos que regem o material.

Em geral, são composições marcadas pelo forte caráter expositivo dos versos, como um permanente resgate de memórias antigas e recentes vividas pela artista inglesa. Exemplo mais representativo disso pode ser percebido na amarga Ice Cream Man, canção em que detalha uma situação de abuso cometida por um produtor contra ela nos primeiros anos de carreira. “Mas quando cheguei lá, deveria ter ouvido o que ele estava dizendo / Tentando me tocar, tentando me foder, não estou tocando / Deveria ter saído daquele lugar assim que entrei nele / Como você se atreveu a fazer isso comigo?“, questiona a musicista.

Entretanto, diferente de outros exemplares do gênero, My 21st Century Blues chama a atenção pela forma como Raye toca em assuntos bastantes delicados, porém, preservando a relação com a música pop de maneira sempre acessível. A própria sequência formada por Hard Out Here e Black Mascara, logo nos minutos iniciais do disco, funciona como uma boa representação desse resultado. Instantes em que a artista parte de conflitos pessoais e momentos de maior vulnerabilidade emocional, porém, em um permanente diálogo com as pistas de dança, direcionamento que acaba se refletindo até os últimos segundos da obra.

Dotado de uma sensibilidade única, como um mergulho nas experiências sentimentais da compositora inglesa, My 21st Century Blues rompe momentaneamente com esse forte aspecto pessoal para estreitar laços com diferentes parceiros criativos. É o caso da conterrânea Mahalia, com quem divide Five Star Hotels, levando o disco para outras direções. Nada que prepare o ouvinte para o que se apresenta em Escapism, música que se completa pela participação da artista estadunidense 070 Shake, mas que faz lembrar os encontros sempre bem-sucedidos entre Kanye West e Rihanna no início da década passada.

Obviamente, toda essa pluralidade de estilos, diferentes parceiros criativos e curvas ocasionais têm lá seus riscos. Ainda que consistente na maior parte do tempo, efeito direto do forte aspecto confessional dado aos versos, My 21st Century Blues se projeta como uma obra que segue sem destino certo, como uma acumulo das angústias e da urgência de Raye em revelar ao público aquilo que a antiga gravadora decidiu reter durante tantos anos. Um exercício de reapresentação de uma artista que, mesmo com quase uma década de carreira, pela primeira vez parece realmente livre para transformar em música as próprias emoções.

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Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.