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Ano: 2023

Selo: Perpetual Flame Ministries

Gênero: Folk, Gospel

Para quem gosta de: Chelsea Wolfe e Lingua Ignota

Ouça: All of My Friends Are Going to Hell

8.0
8.0

Reverend Kristin Michael Hayter: “Saved!”

Ano: 2023

Selo: Perpetual Flame Ministries

Gênero: Folk, Gospel

Para quem gosta de: Chelsea Wolfe e Lingua Ignota

Ouça: All of My Friends Are Going to Hell

/ Por: Cleber Facchi 02/11/2023

A imagem de capa desbotada pela passagem do tempo, a captação decomposta, como se resgatada de uma antiga fita cassete, a voz atormentada de uma evangélica recém-convertida. Saved! (2023, Perpetual Flame Ministries) não é apenas um disco, mas uma verdadeira experiência. Primeiro trabalho de Kristin Hayter sob a identidade de Reverend Kristin Michael Hayter, o registro de onze faixas traz de volta uma série de elementos bastante característicos da artista estadunidense anteriormente conhecida pelas criações como Lingua Ignota, porém, partindo de um novo e perturbador direcionamento estético, lírico e instrumental.

Produzido em parceria com Seth Manchester, com quem a musicista já havia colaborado anteriormente, Saved! busca emular a atmosfera de um antigo disco de música gospel, porém, estabelece na deformidade das vozes e diversas irregularidades no processo de gravação a passagem para um universo aterrorizante. Parte desse efeito vem da forma como o trabalho foi concebido, com Hayter registrando as canções em um velho gravador de quatro canais e diferentes toca-fitas, todos danificados. O resultado desse processo está na entrega de uma obra atormentada, como se saída diretamente de um filme de terror da década de 1970.

São murmúrios, lamentos e preces angustiadas que ganham novo significado ao serem corroídas pelas distorções do próprio método de captação. Ideias muitas vezes incompletas, proposta que concede ao disco um caráter quase documental, conceito reforçado no corte brusco da introdutória I’m Getting Out While I Can. Entretanto, para além do direcionamento estético, Saved! sustenta na poesia condenatória da reverenda interpretada por Hayter o principal componente criativo do trabalho. É como uma resposta sarcástica ao próprio repertório entregue como Lingua Ignota, vide obras como Sinner Get Ready (2021).

É melhor rezar para que o que aconteceu comigo não caia sobre você“, alerta em All Of My Friends Are Going To Hell, composição que sintetiza parte do conceito opressivo que orienta a formação do trabalho. Mesmo quando canta sobre libertação e o acolhimento encontrado em Deus, Hayter preserva o caráter atormentado e atmosfera densa do registro. “À noite eu estava cercada por demônios / Eu sei todos os seus nomes, mas não posso pronunciá-los … Mas hoje sou tão perfeita quanto uma folha de grama / Porque sou livre“, canta a artista na já conhecida I Will Be With You Always, outro importante fragmento do material.

Mesmo que tematicamente algumas das composições se repitam ao longo do trabalho, principalmente no fechamento da obra, quando Hayter deixa de lado as próprias criações para interpretar diferentes hinos religiosos, em se tratando dos arranjos, há sempre um componente de transformação. Companheiro de longa data da artista, o piano ainda se projeta como o principal instrumento do registro, porém, surgem entalhes percussivos e arranjos acústicos que levam as canções para uma nova direção. São elementos música folk dos Apalaches e country gótico que naturalmente concedem ao disco uma atmosfera única.

De fato, poucas vezes antes Hayter pareceu tão liberta criativamente quanto no presente álbum. Mesmo partindo de uma abordagem estilizada e por vezes satírica, difícil não pensar no disco como um delicado exercício de libertação pessoal. A própria escolha em abandonar o nome de Lingua Ignota e dar fim ao antigo projeto, conceitualmente centrado nas experiência pessoais da artista como vítima de violência doméstica, funciona como um bom indicativo disso. É como o princípio de uma nova fase na carreira da musicista, porém, em um formato tão provocativo e impactante quanto qualquer outra obra da cantora.

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Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.