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Crítica

Rodrigo Ogi

: "Aleatoriamente"

Ano: 2023

Selo: Independente

Gênero: Hip-Hop, Rap

Para quem gosta de: Criolo, Don L e Kamau

Ouça: Chegou Sua Vez e Eu Pergunto Por Você

8.6
8.6

Rodrigo Ogi: “Aleatoriamente”

Ano: 2023

Selo: Independente

Gênero: Hip-Hop, Rap

Para quem gosta de: Criolo, Don L e Kamau

Ouça: Chegou Sua Vez e Eu Pergunto Por Você

/ Por: Cleber Facchi 06/10/2023

Rodrigo Ogi é um cronista urbano que encontrou no rap uma maneira de levar ao público as diferentes perspectivas envolvendo personagens que atravessam as paisagens acinzentadas de São Paulo. Desde a estreia com Crônicas Da Cidade Cinza (2011), passando pelo posterior RÁ! (2015) e o EP Pé No Chão (2017), sobram momentos em que o artista paulistano se aventura na construção de composições que detalham cenas e acontecimentos de forma quase documental, como um registro poético do caos social, violência e pequenas angústias que consomem o cotidiano de inúmeros indivíduos. Realidade convertida em rima, mas que alcança um caráter quase surrealista no fino repertório de Aleatoriamente (2023, Independente).

Com produção assinada por Kiko Dinucci, com quem o rapper havia colaborado anteriormente, o registro traz de volta a mesma fluidez e riqueza de detalhes explícita no repertório de Crônicas Da Cidade Cinza, porém, substitui a crueza poética do álbum lançado há mais de uma década por um exercício criativo que tende ao delírio. Para além dos personagens de carne e osso, Ogi agora materializa sentimentos e criaturas fantásticas que atravessam as ruas de São Paulo em um exercício imaginativo que expande os limites da própria criação. É como um incessante atravessamento de informações, ritmos e novas possibilidades.

Exemplo disso fica bastante evidente em Eu Mudei Pra Esse Prédio, composição que sintetiza os encontros e desencontros do artista paulistano com personagens como Medo, Tédio, Tristeza e Coragem. “Eu mudei pra esse prédio e a Tristeza me visita / E eu resolvo fazer sala lhe ofereço uma birita / E a Tristeza beberica, tagarela logo fica / Eu coloco Jimmy Cliff e a Tristeza sassarica“, rima. O mesmo direcionamento acaba se refletindo em Cupido, canção que detalha as desaventuras do rapper com a criatura mitológica que dá título à faixa, passeando em meio a paisagens urbanas em um exercício tão realista quanto metafórico.

Claro que essa maior abrangência de ideias e busca declarada por novas direções criativas em nenhum momento rompe o contato do artista com a realidade. Composição de abertura do disco, Rotina funciona como uma boa representação desse resultado, discutindo as angústias de quem busca viver de arte dentro de uma sociedade capitalista. “Hoje tô num food truck / Fritando seu hambúrguer / Mas já fui Uber“, rima. São canções marcadas pela crueza e visceralidade das palavras, como em Metamorfose, música em que transforma uma necessidade fisiológica básica, como ir ao banheiro, em um verdadeiro filme de terror.

É justamente nesse ponto, onde ficção e realidade se encontram, que Ogi busca inspiração e apresenta ao público algumas de suas principais criações. A própria música de encerramento, Ufa!, rompida pelo corte seco de um diretor no momento de clímax, exemplifica esse esforço do artista em jogar com o que é real e o que não é. Com base nessa estrutura, o rapper vai da cena de matança, em Chegou Sua Vez, parceria com Juçara Marçal, à busca incessante pela mulher amada, em Eu Pergunto Por Você, encontro com Don L. O resultado desse processo está na entrega de um exercício criativo tão particular quanto colaborativo, vide o diálogo sonoro com nomes como Tulipa Ruiz, Siba, Russo Passapusso, Alana Ananias e Thiago França.

São composições que vão de um canto a outro, encolhem e crescem de forma a reforçar a aleatoriedade explícita no título da obra. Um material talvez confuso nas mãos de um artista iniciante, porém, conduzido com maestria não apenas pelas rimas de Ogi, mas pela produção destacada de Dinucci que continua a brincar com os mesmos componentes sintéticos incorporados em Delta Estácio Blues (2021). Mesmo pontuado por alguns vícios, como os exaustivos estudos de personagens tão característicos de outros projetos relacionados ao rapper e ao produtor do disco, prevalece a construção de um trabalho que oferece outras abordagens dentro de um universo criativo há muito explorado pelo artista paulistano.

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Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.