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Crítica

Tagore

: "Barra de Jangada"

Ano: 2024

Selo: Estelita

Gênero: Pop Rock

Para quem gosta de: Boogarins e Cidadão Instigado

Ouça: Barra de Jangada e Amor Perfume

7.8
7.8

Tagore: “Barra de Jangada”

Ano: 2024

Selo: Estelita

Gênero: Pop Rock

Para quem gosta de: Boogarins e Cidadão Instigado

Ouça: Barra de Jangada e Amor Perfume

/ Por: Cleber Facchi 12/04/2024

Se existe uma coisa que a indústria da música soube como saturar ao longo das últimas duas décadas são trabalhos ancorados na estética da década de 1980. Do uso quase caricatural dos sintetizadores à bateria ecoada, pouquíssimos são os artistas capazes de emular o passado e ainda fazer disso o estímulo para algo genuinamente autoral. Músico pernambucano, Tagore é o mais novo interessado em mergulhar nesse mar de nostalgia e, diferente de outros compositores, parece ter encontrado algo que pertence somente a ele.

Em Barra de Jangada (2024, Estelita), o instrumentista deixa de lado os temas urbanos e o brilho neon que iluminou a produção do eixo Rio-São Paulo na década de 1980 para explorar o repertório nordestino do mesmo período. São canções inspiradas por memórias da infância na região que dá nome ao disco e na relação com o próprio pai, o artista plástico Fernando Suassuna, que veio a falecer em 2020, no meio da pandemia de Covid-19. Uma obra que aponta para o passado, porém, mantém os pés firmes no presente.

Partindo dessa abordagem revisionista, o músico estabeleceu um recorte temporal bastante específico, encontrando nas colaborações entre Alceu Valença e o guitarrista Paulo Rafael (Ave Sangria), no início dos anos 1980, a principal fonte de inspiração para o trabalho. “A missão era fazer tudo soar como trilha de novelas antigas como ‘Mulheres de Areia’”, brincou Tagore no texto de apresentação do registro. E ele não apenas faz isso, como estabelece um curioso senso de aproximação em faixas conceitualmente diversas.

São timbres e arranjos de guitarras que surgem em momentos estratégicos do trabalho, lembrando o repertório de obras como Cavalo de Pau (1982) e Anjo Avesso (1983), mas que em nenhum momento ocultam a identidade criativa e doce psicodelia que há mais de uma década embala as composições de Tagore. A própria música de abertura, Paixão Revirada, com sua abordagem crescente, funciona como um exercício de preparação e transição sonora em relação ao material entregue no antecessor Maya (2021).

Uma vez apresentadas todas as regras e temas instrumentais que embalam a formação do disco, Tagore vai de um canto a outro brincando com as possibilidades. Na empoeirada faixa-título, são as contradições da vida que embalam a construção dos versos, conceito que se reflete em outros momentos ao longo da obra, como em A Mais Bela Devoradora De Vaidades, música que ainda traz o trecho de uma entrevista de Lula Cortês, ilustre morador de Barra de Jangada. Nada que inviabilize a entrega de canções mais imediatas e acessíveis, como a agridoce Amor Perfume, delicioso encontro com a cantora Juliana Strassacapa (Lazúli).

É como um fino repertório que a todo instante estabelece pequenas conexões com as recordações mais felizes e amargas vividas pelo pernambucano, mas que em nenhum momento distanciam o ouvinte desse processo, afinal, muitas delas também são nossas lembranças. Um exercício de nostalgia compartilhada que talvez dependa de um conhecimento prévio por parte do público e que substitui a originalidade pelo amparo de suas inspirações, mas que sustenta nos versos e histórias narradas um sentimento universal.

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Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.