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Crítica

U.S. Girls

: "Bless This Mess"

Ano: 2023

Selo: 4AD

Gênero: Art Rock, Soul, Art Pop

Para quem gosta de: Jenny Hval e Cate Le Bon

Ouça: So Typically Now e Bless This Mess

7.8
7.8

U.S. Girls: “Bless This Mess”

Ano: 2023

Selo: 4AD

Gênero: Art Rock, Soul, Art Pop

Para quem gosta de: Jenny Hval e Cate Le Bon

Ouça: So Typically Now e Bless This Mess

/ Por: Cleber Facchi 01/03/2023

Grávida de gêmeos, Meghan Remy decidiu fazer desse processo de transformação pessoal o estímulo para o oitavo e mais novo álbum de estúdio como U.S. Girls, Bless This Mess (2023, 4AD). Entretanto, como tudo aquilo que a cantora, compositora e produtora canadense tem incorporado desde a segunda metade dos anos 2000, o registro de onze faixas está longe de parecer uma obra monotemática. São composições que partem das experiências vividas pela musicista, porém, assumem percursos pouco usuais, transitando por diferentes ritmos, novos parceiros criativos e temáticas em uma delirante combinação de elementos.

Exemplo disso fica bastante evidente na própria faixa-título do disco. Marcada pela ironia dos versos, a canção ganha forma e cresce aos poucos, emulando a estrutura de uma balada empoeirada dos anos 1980. “Você não precisa de mapa quando todas as estradas terminam / Eu ouvi de Deus e Ela disse: ‘Eu abençoo essa bagunça’“, canta. Minutos à frente, na já conhecida Tux (Your Body Fills Me, Boo), uma completa inversão desse resultado, com Remy mergulhando na entrega de um material deliciosamente dançante, estrutura que ganha ainda mais destaque na letra centrada no ponto de vista de um terno descartado.

São justamente esses pequenos absurdos poéticos que tornam a experiência de ouvir o registro tão satisfatória. Canções que vão de um canto a outro sem necessariamente fazer disso o estímulo para um registro confuso ou desequilibrado. É como se o ouvinte fosse bombardeado por um delirante fluxo de informações e pensamentos que escapam da cabeça de Remy, como uma combinação de tudo aquilo que a artista viveu nos últimos anos. Perfeita representação desse resultado acontece em So Typically Now, uma reflexão sobre o período pandêmico, tema que surge e desaparece durante toda a execução do trabalho.

Embora parta de uma abordagem bastante particular, Bless This Mess talvez seja o registro que mais destaca o aspecto colaborativo de Remy. Além do seleto time de instrumentistas que surgem ao longo da obra, a artista canadense estreita relações com nomes vindos dos mais variados campos da música. É o caso do conterrâneo Michael Rault, com quem divide a divertida Screen Face, uma reflexão sobre os relacionamentos à distância. Outra que chama a atenção é Pump, parceria com Alanna Stuart em que canta sobre amamentação e utiliza da própria bomba de tirar leite como base para a construção da faixa.

Tamanho cruzamento de informações faz de Bless This Mess o registro mais diverso de U.S. Girls. Do momento em que tem início, no soul nostálgico de Only Daedalus, passando pelas guitarras ruidosas de Futures Bet ao experimentalismo de Outro (The Let Down), cada composição parece transportar o ouvinte para um novo território criativo. É como uma extensão natural de tudo aquilo que a cantora havia testado nos antecessores In a Poem Unlimited (2018) e Heavy Light(2020), proposta que tende ao uso de pequenas repetições, porém, de forma sempre atualizada, tratamento que acaba se refletindo até os minutos finais.

Próximo e ao mesmo tempo distante de tudo aquilo que U.S. Girls havia testado anteriormente, Bless This Mess destaca o domínio e capacidade de Remy em jogar com regras próprias. São canções que partem de experiências pessoais, cenas e acontecimentos mundanos, porém, interpretadas a partir da estranha visão de mundo da cantora canadense, direcionamento que vai da construção dos arranjos ao diálogo com diferentes colaboradores. Um exercício criativo que ganha contornos satíricos na maior parte do tempo, mas que em nenhum momento parecem ocultar a vulnerabilidade e forte aspecto sentimental da artista.

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Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.