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Crítica

Vauruvã

: "Manso Queimor Dacordado"

Ano: 2021

Selo: Independente

Gênero: Black Metal

Para quem gosta de: Papangu e Kaatayra

Ouça: Jequitibá-eté e Baféu no Grande Ocaso

8.2
8.2

Vauruvã: “Manso Queimor Dacordado”

Ano: 2021

Selo: Independente

Gênero: Black Metal

Para quem gosta de: Papangu e Kaatayra

Ouça: Jequitibá-eté e Baféu no Grande Ocaso

/ Por: Cleber Facchi 04/10/2021

Em março deste ano, quando deu vida ao experimental Sem Propósito (2021), trabalho em que transita por entre estilos e incorpora elementos da música eletrônica, o brasiliense Caio Lemos fez da parceria com o cantor e compositor carioca Bruno Augusto Ribeiro, em B, a passagem para uma composição marcada pelo forte teor existencialista. São pouco menos de 30 minutos em que o ouvinte é convidado a se perder em um universo de experiências cósmicas e manifestações caóticas que vão do início ao fim da nossa existência de forma sempre provocativa e turbulenta, resultando em um delirante cruzamento de informações.

Mais uma vez acompanhado de Ribeiro, porém, partindo de um novo direcionamento estético, Lemos entrega ao público um novo trabalho de estúdio, Manso Queimor Dacordado (2021, Independente). Primeiro registro de inéditas como Vauruvã, o álbum de sete composições estabelece na temática da ancestralidade e no alvorecer da civilização humana um precioso componente de aproximação entre as faixas. São canções que partem dos charcos úmidos da vida na Terra para trilhar um ambiente marcado pela aridez dos elementos, estrutura que vai da construção dos arranjos ao tratamento dado aos versos.

Seja ao menos, ao menos outra vez / Peixe-pássaro nas nascentes / Siga o aguará pela planície / Semeie a vida por mais um milênio“, canta Ribeiro logo nos primeiros minutos da obra, na introdutória Florescência, música que sintetiza parte das experiências e temas instrumentais que serão explorados pela dupla até a derradeira Os Ipês. São canções trabalhadas em uma estrutura ascendente, como blocos sobrepostos de ruídos, batidas e vozes berradas, mas que em nenhum momento ocultam a narrativa existencialista que serve de sustento ao disco. Composições que abrem passagem para um mundo próprio.

A principal diferença em relação a outros trabalhos produzidos por Lemos, sempre atmosféricos e imersivos, está na busca do multi-instrumentista por um material marcado pela urgência dos elementos. Salve exceções, como a acústica Baféu Vara Fronteiras, composição que mais parece uma sobre de algum disco do Kaatayra, tudo se resolve em um intervalo de poucos minutos. Mesmo na longa duração de Os Ipês, perceba como guitarras e batidas rápidas se revelam por completo logo nos momentos iniciais da canção. É como se a dupla sintetizasse milênios de existência em um exercício de poucos segundos.

Entretanto, muito se engana quem pensa que essa maior aceleração no processo de construção do trabalho faz de Manso Queimor Dacordado um registro menos detalhista. E isso fica bastante evidente na sequência formada por Jequitibá-eté, Baféu no Grande Ocaso e Morrer de Alegria. Em uma corredeira de sons espiralados, ruídos e atravessamentos rítmicos, Lemos estabelece momentos de breve respiro que antecedem formas totalmente complexas e hipnóticas, como se pensadas para capturar a atenção do ouvinte. São instantes de pura transformação que refletem a força criativa do compositor brasiliense.

O mais interessante talvez seja pensar que tudo isso se dá em um intervalo de poucos meses após o lançamento do último trabalho de Lemos. Em um ritmo totalmente frenético de produção, o multi-instrumentista continua a testar os próprios limites dentro de estúdio. Mesmo que esbarre em conceitos anteriormente testados em outros registros, como nas atmosféricas Baféu no Grande Ocaso e Baféu Vara Fronteiras, sobrevive no lirismo minucioso de Ribeiro um importante componente de transformação, proposta que se reflete mesmo nos momentos de maior instabilidade de Manso Queimor Dacordado.

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Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.