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Crítica

Solange

: "When I Get Home"

Ano: 2019

Selo: Columbia

Gênero: R&B, Soul, Hip-Hop

Para quem gosta de: SZA, Kelela e Erykah Badu

Ouça: Almeda, Dreams e My Skin My Logo

8.5
8.5

“When I Get Home”, Solange

Ano: 2019

Selo: Columbia

Gênero: R&B, Soul, Hip-Hop

Para quem gosta de: SZA, Kelela e Erykah Badu

Ouça: Almeda, Dreams e My Skin My Logo

/ Por: Cleber Facchi 05/03/2019

Não espere obter uma resposta de When I Get Home (2019, Columbia) logo em uma primeira audição. Sequência ao elogiado A Seat at The Table (2016), obra em discute empoderamento feminino e o peso do preconceito racial que sufoca as mulheres negras, o novo álbum traz de volta parte expressiva desse mesmo universo conceitual e temático, porém, dentro de uma estrutura completamente irregular. Fragmentos de vozes, melodias abstratas e composições que tão logo são apresentadas ao público, rapidamente desaparecem, flutuando em uma nuvem de sons e ideias aleatórias que tingem com incerteza a experiência do ouvinte.

Parte expressiva desse resultado vem da forma como o próprio álbum foi concebido. Gravado em diferentes estúdios espalhados por Nova Orleães, Houston e Jamaica, o trabalho nasce como uma criativa colcha de retalhos gerados a partir do encontro entre a cantora e diferentes representantes do soul, R&B, jazz e hip-hop. São nomes como Dev Hynes (Blood Orange), Pharrell Williams, Steve Lacy (The Internet), Panda Bear, Tyler the Creator e Sampha que tiveram suas interferências moldadas de acordo com as necessidades de Solange. Um minucioso processo de montagem, ou edição, como a própria musicista explicou ao escritor e curador de arte Antwaun Sargent durante o evento de lançamento do álbum. “A edição é uma parte muito importante do meu processo. É assim que eu posso estender isso a uma expressão do que eu quero alcançar“, respondeu.

Com base nessa estrutura, Solange entrega ao público uma obra conceitualmente ampla, livre de uma estrutura convencional, versos previsíveis ou instantes de imediato diálogo com o público, vide a boa repercussão em torno de músicas como Don’t Touch My Hair e Cranes In The Sky, ambas apresentadas no álbum anterior. Trata-se de um disco trabalhado de forma provocativa, instável, proposta que muito se assemelha ao material entregue por Tierra Whack, no curtinho Whack World (2018), Blood Orange, em Negro Swan (2018) e, principalmente, Some Rap Songs (2018), de Earl Sweatshirt, com quem a cantora vem se relacionando e contribuindo criativamente nos últimos anos.

São faixas curtas, pouco menos de dois minutos em que Solange e os parceiros de produção brincam com a inserção de camadas atmosféricas, ruídos, batidas e vozes, estrutura que naturalmente amplia os domínios da obra. Exemplo disso ecoa com naturalidade na climática Dream, música que atravessa o neo-soul de Erykah Badu para dialogar com as abstrações de Alice Coltrane, junto de Steve Reich e Sun-Ra, uma das principais referências para a construção do trabalho. O mesmo caráter jazzístico ecoa com naturalidade na sequência formada por Time (Is) e My Skin My Logo, composições que se abrem para a breve interferência de nomes como Sampha e Gucci Mane, respectivamente.

Claro que essa evidente busca por um som menos comercial não interfere na produção de faixas minimamente acessíveis, por vezes íntimas do material entregue em A Seat at The Table. É o caso de Sound of Rain, música que reflete o completo refinamento melódico detalhado no disco anterior. Em Almeda, colaboração The-Dream e Playboi Carti, batidas e versos que se entrelaçam de forma hipnótica, servindo de alicerce para a poesia densa que invade a canção – “Pele negra, tranças negras / Ondas negras, dias negros / namorados pretos, coisas pretas / Estas são coisas de propriedade negra / A fé negra ainda não pode ser lavada“. Surgem ainda músicas como Stay Flo, um trap fragmentado que se abre para a interferência de Metro Boomin, além, claro, de Way To The Show, música pontuada pelo uso de harmonias vocais, repetições e arranjos que apontam para a obra de Stevie Wonder em Songs in the Key of Life (1976) e The Secret Life of Plants (1979), dois dos principais alicerces criativos para a produção do presente trabalho.

Misto de complemento e lenta desconstrução do material entregue em A Seat At The Table, conceito reforçado pelo site e soturna da imagem de capa, When I Get Home não apenas resgata, como sutilmente perverte tudo aquilo que vem sendo aprimorado desde o amadurecer criativo em True EP (2012). Enquanto no registro anterior, Solange parecia se distanciar da sombra da irmã, a também cantora Beyoncé, com o novo disco, a artista texana parece desconstruir a própria identidade criativa, revelando ao público um trabalho que exige ser desvendado. O debate racial e melancolia da mulher negra ainda se faz evidente durante toda a execução da obra, porém, dissolvida de forma inexata, torta, estrutura que faz do presente álbum um trabalho tão precioso quanto seu antecessor.


Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.