Disco: “Ascensão”, Hó Mon Tchain

/ Por: Cleber Facchi 07/10/2013

Hó Mon Tchain
Brazilian/Hip-Hop/Rap
http://homontchain.com/

Por: Cleber Facchi

Hó Mon Tchain

Duas décadas separam Enter the Wu-Tang (36 Chambers), debut do coletivo nova-iorquino Wu-Tang Clan, de Ascensão (2013, Independente), obra de estreia do grupo paulistano Hó Mon Tchain. Se ao longo dos anos o projeto estadunidense serviu de escada para a carreira solo de seus integrantes, ao menos por enquanto os jovens tupiniquins mantém firme senso de coletivo, empregando no caráter urbano dos versos e nas bases que passeiam pelo jazz o mesmo teor de maturidade, tão típico dos vizinhos norte-americanos. Contudo, longe das tramas fixadas no hemisfério norte, e centrados nos percalços da terra da garoa, os novatos talvez tenham encontrado um cenário ainda mais rico de possibilidades, arquitetando no jogo de temas cotidianos o princípio para aquilo que aos poucos é engolido pela grande metrópole.

Hó Mon… Quê? Que porra é essa?”, como o próprio grupo questiona e responde nos instantes iniciais do álbum, “O nome é fácil, difícil é a interpretação”. Quase um mantra como os membros aproveitam nos instantes finais de Quem Somos Nós, o título nada mais é do que uma piada interna do coletivo, resultado da interpretação errada de um dos integrantes em relação ao termo em inglês One More Time. Entretanto, se o bom humor é a chave para a convivência do sexteto – formado por Amiltex, Diham, Falcon Mc, Mud, JG.Mano e Plano B -, em se tratando das rimas que habitam o trabalho, a seriedade parece ser ainda maior.

As coisas andam difíceis para os sonhadores/ Dizem que o sonho morreu, que ninguém mais faz isso”. É contra os versos de Ariuádrima?, curioso interlúdio na parte inicial do álbum, que os integrantes caminham em oposição durante toda a obra. Driblando as adversidades, cada faixa instalada pelo disco realça com versos de apelo cotidiano as batalhas diárias de seus anunciadores. Andando pela Sin City da Garoa (“São Paulo tá mais ruim do que boa, mas não me enjoa/ São Paulo é o meu lugar, é a Sin City da garoa”) ou mesmo em meio a uma Chuva de Verdades (“Pra essa tempestade/ Onde quem não vê a verdade, as visões cegam”), o coletivo encontra um cenário de natureza inédita, mais uma face particular das muitas que tanto definem a gigante metrópole. Assim como Ogi, em Crônicas da Cidade Cinza (2011), o que poderia ser fechado em um cenário particular, aos poucos se expande, transformando os rumos, corres e temas em uma matéria de forte aproximação com o ouvinte – sem importar o lugar de onde ele vem.

Como um ponto de convergência para as melancolias, desilusões e também sonhos de cada integrante, Ascensão se apresenta como um imenso mosaico de ideais. Do toque sóbrio de auto-ajuda em Empenho (“Pra realizar meus desejos, penso, elaboro e planejo”), ao manuseio “simples” de histórias de amor em Som dos Nenéns (“Neném brincar com o coração virou festa/ O amor não se compra, muito menos se empresta”), cada faixa instalada pelo disco funciona como uma troca constante de ideias, como se cada membro buscasse amparar o outro sem necessariamente esbarrar em exageros demasiado dramáticos ou corrompidos pelo excesso. A resposta para esse efeito evidente de colaboração e sustento se movimenta em acerto com a chegada de Amizade, lado mais esperançoso da obra e a prova da capacidade do grupo em brincar com versos de manuseio harmônico.

Por falar na bem aproveitada canção, reside nas bases e samples que ela carrega o princípio instrumental que rege todo o disco. Apoiado nos mesmos princípios estéticos propostos por RZA há duas décadas, Mud, principal responsável pela composição sonora do registro, abre espaço para que o jazz e uma série de interferências expostas de forma empoeirada recheiem a obra. Do loop preciso de Equação no Mic ao perfume dos metais no refrão de Sin City da Garoa, passear por Ascensão é ser presenteado por um catálogo crescente de interferências musicais, muitas delas alheias ao tradicional universo do Hip-Hop. Sobram ainda colagens de filmes (A Vida até Parece um Filme), passeios pelo soul (Pro Fim Ainda Não) e um efeito específico de melancolia que se espalha confortavelmente por toda o álbum. É como se as rimas dançassem de acordo com os sons.

Sem rupturas, Ascensão garante durante toda a execução um homogêneo efeito de intimidade entre as faixas. Seja com base no panorama em que elas foram projetadas (a cidade de São Paulo), ou apenas pelo posicionamento em comum de seus realizadores, entrar no universo cinza do registro é como folhear um pequeno livro de crônicas amarradas por uma mesma ideia ou possível cenário. Distante de conclusões, o registro segue a ordem do próprio título, garantindo uma obra crescente, carregada de pistas ou possíveis peças para um jogo que está longe, muito longe, de ser realmente finalizado. A terra da garoa é imensa, e a obra do  Hó Mon Tchain ainda tem espaço o suficiente para se expandir.

Hó Mon Tchain

Ascensão (2013, Independente)

Nota: 8.0
Para quem gosta de: Projota, Ogi e Rashid
Ouça: Amizade e Sin City da Garoa

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.