Disco: “Batuk Freak”, Karol Conká

/ Por: Cleber Facchi 16/04/2013

Karol Conká
Brazilian/Hip-Hop/Rap
https://www.facebook.com/karolconka

 

Por: Sylvia Tamie

Karol Conká

Há poucas coisas tão desafiadoras quanto criar uma canção completamente nova em cima de bases pré-gravadas. Para muitos ouvintes, fica a impressão de que o uso de samples se manifesta como um plágio anunciado e em nada proporciona novidade. Uma afirmação injusta. Já conhecida pela musicalidade diversificada de suas canções, a rapper Karol Conká faz da estreia com Batuk Freak (2013, Vice) uma representação particular de toda essa variedade de sons – sejam eles inéditos ou já conhecidos. Do afrobeat tribal de Corre, Corre Erê ao cover do samba de raiz Caxambu (de Almir Guinetto), a curitibana não hesita em se apropriar de todas as referências musicais a que tem direito, concentrando tudo em uma imensa massa sonora que tende à novidade.

De natureza instável, o disco usa de cada composição como um exercício constante de adaptação – seja para a rapper ou para o ouvinte. Com faixas que oscilam entre a dureza do rap e a acessibilidade do funk, Conká não se limita à tradição de rimas faladas típicas do gênero, trazendo no canto e em linhas melódicas que lembram o samba e MPB um complemento para a obra. Assim, em uma mesma faixa ela pode desfiar rimas como uma verdadeira rapper e depois arrastar a voz em um refrão grudento, típico da música pop. Em Vô lá, por exemplo, uma das faixas mais ricas da obra, as rimas em estilo mais tradicional vão perdendo gradativamente o espaço para as bases, que ao final se revelam como um delicioso repente nordestino. Colagens em cima de colagem.

Por falar nos ritmos e sons que alimentam a obra, são exatamente eles os responsáveis por distanciar Conká de uma possível zona de conforto, eixo que sustenta toda a extensão da obra. Com produção assinada pelo catarinense Nave (pseudônimo de Vinicius Leonard Moreira), o álbum passeia por diferentes aspectos da cena nacional sem abandonar a relação com o que alimenta a produção internacional. Não por acaso a relação com o trabalho da britânica M.I.A. parece ser constante, feito que Karol e o parceiro lidam de forma tão entusiasmada e política quanto na construção de Kala (2007). Conká, entretanto, vai além, utilizando de referencias genuinamente nacionais como um complemento para o próprio gênero.


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Se o rap se caracteriza por suas letras, múltiplos também são os temas que tocam a realidade circundante da obra. Há o consumismo, em Do Ghetto ao Luxo – “Nego ‘tá sem um puto, mas tá no baile”, “Quero a grana do Eike Batista” –; o velho tema do fim dos relacionamentos em Você não vai; a rotina do namoro na sensível Que delícia; o rap-pegação de Gandaia e até à religiosidade em Bate a Poeira: tudo serve como base para o universo criativo curitibana. Contradizendo diversas marcas específicas do estilo, a rapper não se atém apenas ao protesto e a interpretação amarga de fatos cotidianos, pelo contrário, dança por composições que clamam a leveza do pop sem jamais se desviar da seriedade dos acontecimentos.

Inevitável constatar como Karol se coloca como uma mulher da sua geração, sempre revelando preocupações muito próprias e outras compartilhadas com as ouvintes. “Justamente por ser mulher, minha atitude carrega a vitória”, proclama ela em um dos momentos mais firmes da obra. Enquanto as mulheres invadem quase todas as vertentes da música brasileira, no rap elas ainda parecem tímidas – embora as poucas que se coloquem de pé o façam com firmeza, à exemplo de Lurdez da Luz e Flora Matos. Karol Conká, que contou com o apoio de Emicida para prosseguir no caminho, cada vez mais assume uma atuação de destaque, não apenas em um eixo específico do “rap feminino”, mas do gênero como um todo. Em Batuk Freak (e na vida de forma geral), as mulheres estão no controle da situação, e bastam os versos de Que Delícia para que isso se revele, afinal, “Terminou? Agora lave a louça”.

Antes do rap de protesto ou mesmo do discurso feminista, Karol se preocupa com a construção de um universo particular. Um cenário repleto de colagens peculiares, validando tanto o passeio pela balada com as amigas, como um ambiente onde todos têm lugar e “os pássaros cantam Erykah Badu”. A música e as rimas da rapper são tratadas de forma sempre alegre, sobre momentos felizes da vida ou instante em que as dificuldades são encaradas corajosamente de frente. É na construção particular deste mundo que se compõe um primeiro disco da curitibana, um universo que mesmo parcialmente desvendado, já tem muito a oferecer.

 

Karol Conká DOWNLOAD

Batuk Freak (2013, Vice)


Nota: 8.8
Para quem gosta de: Lurdez da Luz, Flora Matos e Emicida
Ouça: Vô Lá, Mundo Loco e Boa Noite

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Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.