Beyoncé
R&B/Pop/Hip-Hop
http://beyonce.com/
Por: Cleber Facchi
Dez anos separam o requebrado que apresentou Beyoncé em carreira solo, com Dangerously in Love (2003), da sobriedade expressa no quinto álbum da cantora. Seguindo na direção contrária ao ritmo que abriu passagem para uma das carreiras mais lucrativas da música recente, a artista alcança o presente disco reforçando uma postura há muito esquecida dentro do pop: a de se reinventar e provocar o próprio público. Consumido pela arquitetura densa dos arranjos e a completa desarticulação de faixas radiofônicas, o autointitulado projeto vai além da surpresas que envolvem sua inesperada estratégia de lançamento. Trata-se de uma explícita obra de desconstrução, mas acima de tudo, um disco que reforça a maturidade de sua criadora.
Embalada pelo ritmo soturno de Pretty Hurts, faixa de abertura do álbum, a cantora dá um passo seguro em relação ao que 4 (2011) trouxe com maior autoridade há poucos anos. As batidas involuntariamente dançantes de Countdown e Run The World (Girls), agora dão lugar ao clima soturno das vozes e sons. Traço previamente reforçado em músicas como 1+1 e I Miss You, do trabalho passado. A habitual tristeza que pontua a carreira da artista desde I Am… Sasha Fierce (2008), agora parece assumir maior organização e arranjos tratados de forma homogênea. Assim como o título logo reforça, Beyoncé é uma obra inteiramente centrada no universo da cantora, que ao explorar esse conceito usa das desilusões e conquistas como uma forma de aproximação do público.
Descrito pela artista como um Visual Album – todas as 14 faixas do disco foram apresentadas paralelamente em vídeo -, o registro consegue ir além de um mero projeto multimídia, afinal, pode ser observado de maneira isolada, ecoando coerência sem possíveis elementos externos/complementares. Distante dos erros que acompanham os App Albums de Lady Gaga e Björk, ou quem sabe o também “visual” (e incompleto) projeto de Jonna Lee (iamamiwhoami), Beyoncé entrega ao ouvinte uma obra em que o ponto central é a música, e qualquer componente além desse princípio ecoa como um natural acréscimo. O objetivo claro, lentamente amplia o hermetismo revelado em princípio, como se toda a carreira prévia da cantora fosse apagada, restando ao ouvinte apenas a presente obra.
Econômico quando observado em proximidade ao disco de 2011, o novo álbum deixa de lado o naipe de metais e o provável catálogo de vozes em prol de um tema eletrônico e enxuto. A medida, de forma alguma parece comprometer a grandeza da cantora, pelo contrário, força a atuação de Timbaland, Hit Boy e até Justin Timberlake quanto produtores das faixas. Parte desse equilíbrio e evidente crescimento está na presença do (quase) desconhecido Boots como principal arquiteto do disco. Presente em boa parte das canções, o produtor garante ao álbum um natural relação entre as músicas, como se tudo partisse de um mesmo cenário conceitual – um meio termo entre a firmeza épica do Hip-Hop e o isolamento letárgico do R&B dos anos 1990. O próprio catálogo de samples, boa parte deles recortes nostálgicos sobre diferentes fases da vida da cantora, auxiliam na construção atmosférica do disco. Se há uma década Beyoncé dançava por entre faixas avulsas e falhas, hoje ela pisa com firmeza em um palco fechado, desenvolvido de forma a favorecer todas as nuances e exigências de sua voz.
Por se tratar de um álbum promovido dentro do ambiente particular e Beyoncé, as próprias interferências vocais e colaboradores parecem orquestrados de forma a atender as exigências da cantora. Enquanto Jay-Z assume as rimas em Drunk in Love, Blue Ivy, filha do casal, pontua o disco na delicada Blue, expandindo o teor “familiar” e íntimo da obra. Tanto Drake como Frank Ocean, antigos colaboradores, seguem à risca a arquitetura específica do disco, fazendo de Mine e Superpower, respectivamente, adaptações de seus próprios inventos dentro da atmosfera do álbum. Todavia, é no isolamento vocal que a cantora mostra de fato o brilho adulto do trabalho, transformando Jealous, Pretty Hurts e XO (a faixa mais “comercial” do disco) em exemplares de fina beleza vocal e evolução lírica.
Propositalmente denso, ainda mais se observarmos os primeiros trabalhos da cantora, Beyoncé (o disco) parece ser o primeiro registro da diva pop em que os limites da zona de conforto parecem rompidos. Longe de coreografias hipnóticas (Single Ladies) ou canções de explícito brilho pop (Déjà Vu), a cantora entrega uma obra que sobrevive ao tempo, algo maior do que um punhado de hits descartáveis ou faixas limitadas ao período de turnê. São músicas que buscam nas declarações de amor (XO), no conforto materno (Blue) e até na sexualidade (Rocket) um sobriedade rara em obras do gênero. Uma sensação de que por trás do jogo melódico das palavras, Beyoncé esconde traços de uma mensagem particular, concisa, e o melhor de tudo isso: vendendo mais do que qualquer obra pop recente e de obsolescência programada.
Beyoncé (2013, Parkwood/Columbia)
Nota: 9.0
Para quem gosta de: Ciara, Frank Ocean e Drake
Ouça: Pretty Hurts, XO e Drunk In Love
Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.
Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.