Disco: “Caravana Sereia Bloom”, Céu

/ Por: Cleber Facchi 12/03/2012

Céu
Brazilian/Female Vocalists/Alternative
http://www.ceumusic.com/

Por: Cleber Facchi

Uma densa nuvem de fumaça se apoderou da voz, do som e dos versos da paulistana Maria do Céu Whitaker Poças em idos de 2009. A condução lenta que se acomodava em cada uma das 13 composições de Vagarosa evidenciavam toda a distinção da musicista paulistana, que para além do aspecto de mera interprete cultivado ao longo do primeiro disco soube como alcançar um novo estágio dentro da música popular brasileira. Antes que Tulipa Ruiz, Karina Buhr ou qualquer outra voz feminina pudesse chegar aos nossos ouvidos em 2010, foram os vocais levemente arrastados de Céu e os cruzamentos entre o jazz, dub e ritmos jamaicanos que trouxeram frescor ao palco armado da nossa música, palco este que acende novamente suas luzes para que a voz ainda (encantadoramente) arrastada da cantora possa se anunciar.

Se abrindo como uma cortina, a nuvem canábica de outrora dá passagem para que Céu caia de vez na estrada, apostando em uma temática, que como ela mesma define, pode ser compreendida como um Road Album. “Há uma estrada dentro de mim/ Não sei onde ela vai dar/ Meus olhos estão fechados/ A única testemunha que tenho é o vento na minha bochecha, sussurrando: ‘livre’”, proclama a cantora nos curtos versos (em inglês) da faixa Fffree, canção que mesmo posicionada próxima do encerramento do álbum parece anunciar toda a proposta do viajante Caravana Sereia Bloom. Terceiro disco da cantora, o registro funciona como uma densa trilha sonora para as estradas do Brasil, contando histórias e ressaltando sensações de personagens típicos desse cenário.

Quebrando qualquer possível conexão com os discos anteriores (talvez apenas o reggae permaneça em alguns momentos), o álbum proclama uma tonalidade quase totalmente voltada à música psicodélica, sonoridade que passeia do executar da faixa de abertura aos últimos instantes de Chegar em Mim, canção que encerra o suave trabalho. Acompanhada do marido Gui Amabis em maior parte do tempo, Céu não percorre o suposto tracejado do registro de maneira solitária, convidando velhos amigos como Jorge Du Peixe, Fernando Catatatu, Curumin, Lucas Santtana e o próprio pai Edgar Poças, figuras que se anunciam como companheiros essenciais para compor as distintas paisagens que vão se revelando ao longo do trabalho.

Além do bem executado diálogo com a psicodelia brasileira (ou mesmo estrangeira) da década de 1970 – algo bem exposto na guitarra flutuante do single Retrovisor –, grande parte do que sustenta o álbum vem do romantismo quente da música brega nacional. Dos trabalhos iniciais de Odair José, passando pelo Erasmo Carlos do clássico Amar pra Viver ou Morrer de Amor (1982), cada canto do registro parece ressaltar um aspecto típico dessa produção, com Céu se aproximando daquilo que Cidadão Instigado ou mesmo o próprio Otto (do disco de 2009) conseguiram alcançar: um exercício de navegar pelo passado, sem abandonar aspectos inovadores e necessários do presente.

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Dentro desse constante diálogo com a construção musical de outras épocas, Céu faz nascer uma sequência de bem apuradas composições, algo que acaba sendo convincentemente explorado em Baile da Ilusão. Dos versos ao encaixe certeiro da melodia, cada instante dentro da faixa reverbera sensações vindas de outras épocas, não como uma bem conduzida ode, mas como se a música fosse de fato um fruto daquele período. O mesmo aspecto se faz presente em Falta de Ar e Amor de Antigos, essa última reforçando com destaque uma pegada muito mais roqueira (Erasmo Carlos vive em cada segundo da composição), característica talvez impossível de ser encontrada nos dois anteriores lançamentos da paulistana.

Mais do que um fluente diálogo com as músicas de outras épocas, Caravana Sereia Bloom repassa constantemente o aspecto de obra conceitual e bem delimitada. Não apenas na similaridade entre a sonoridade das 13 faixas, mas no encaixe certo das três vinhetas – Teju na Estrada, Sereia e Fffree –, tudo contribui para que o disco respeite uma proposta madura do princípio ao fim, com a cantora partindo de um ponto “A” e ao final do disco alcance com perspicácia um ponto “B”, característica de qualquer Road Movie e que aqui se faz presente com a mesma destreza e beleza.

Embora siga apostando em uma força e em um som renovado para o disco, em diversos momentos Céu bate o olho no retrovisor e traz de volta muito do que lhe garantiu destaque em 2005, quando o primeiro disco da carreira fora lançado. Mesmo com um tom retrô, You Won’t Regret It (uma das três faixas do álbum cantadas em inglês) parece se relacionar diretamente o que fora deixado pela cantora em músicas como Malemolência ou na doce versão para Concret Jungle, apostando em uma sonoridade conduzida pelo suingue e um leve fundo de música pop.

Esse constante posicionamento entre o passado e o presente faz com que as engrenagens do disco se movimentem de forma dinâmica e envolvente, com Céu, as histórias que a acompanham e os versos que ela constroi servindo como o grande combustível para o registro. Caravana Sereia Bloom é um convite a um passeio romântico, nostálgico e macambúzio, um misto de sensações empoeiradas, mas que ao receberem um simples sopro acabam se revelando tão novas quanto foram em outras épocas.

Caravana Sereia Bloom (2012, Universal)

Nota: 9.0
Para quem gosta de: Erasmo Carlos, Odair José e Gal Costa (dos anos 60/70)
Ouça: Retrovisor, Baile da Ilusão e You Won’t Regret It

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.