Disco: “Caro Vapor Vida e Veneno de Don L”, Don L

/ Por: Cleber Facchi 05/11/2013

Don L
Hip-Hop/Rap/R&B
http://donl.bandcamp.com/

Por: Cleber Facchi

Don L

Oficialmente, o rapper Don L surgiu para o mundo em 2007, como uma das mentes aos comandos do coletivo Costa a Costa. Representante tupiniquim do Gangsta Rap que ocupa o Hip-Hop desde idos da década de 1990, o coletivo cearense trouxe no flow melódico e na estrutura versátil das canções um afastamento ao que abastecia a estável cena nacional naquele instante. Entretanto, nenhum traço específico de passado parece relevante para o concentrado que alimenta os presentes rumos do artista. Um efeito que ao alcançar a mixtape Caro Vapor – Vida e Veneno de Don L (2013, Vice) assume na desconstrução da próprio rapper um princípio assumido de novidade para o ouvinte.

Vozes impregnadas pelo autotune, batidas orquestradas pela cadência comercial e um catálogo de samples que se aproximam do grande público. Cada instante do presente registro faz de Don L uma representação nacional do mesmo Rap melódico que há décadas orienta a cena estadunidense. São músicas que dançam com leveza pela sensualidade (Plástico), faixas que brincam com os arranjos em um teor grandioso (Doce Dose) ou mesmo típicos passeios pelo pop (Nem Posso Dizer), resultado que parece inevitavelmente encaminhado ao descarte, mas que encontra nas mãos do rapper (e no time pequeno de produtores que o acompanham) um ponto evidente de salvação.

Em um meio termo entre os goles de champanhe do Funk Ostentação e a rima crua do Hip-Hop, L parece ter encontrado um território marcado pelo ineditismo – pelo menos em solo nacional. Se em instantes a mensagem esforça de maneira explícita a construção das rimas, efeito detalhado na composição de Chips (Controla ou te Controlam), logo na faixa seguinte, Rolê dos Lokos, a celebração parece ser o rumo certo a abastecer o trabalho do rapper. Fragmentado entre diferentes personagens, ou quem sabe, distintas interpretações de si próprio, o artista vai das festas ao isolamento sem qualquer barreira, flutuando como uma cortina de vapor que muda de acordo com a direção do vento.

Mesmo sem um ponto específico de concentração temática, Don L está longe de perder o efeito de linearidade que orienta a obra. Por mais que cada faixa espalhada pela mixtape assuma um isolamento autoral, passeando pelo R&B, o Pop e diversas outras vertentes dissolvidas pelos samples, toda a composição da obra gira como parte de um cenário próprio de seu criador. São músicas que observam o indivíduo em relação ao panorama em que ele está inserido, indo do enclausuramento de um casal dentro do quarto (nos versos de Plástico), ao ambiente de abusos e festividades que ocupam os camarins (em Sangue é Champagne). A mutabilidade do cenário motiva de forma natural os próprios rumos das canções, algo que o erotismo em Beira de Piscina ou a estética esperançosa de Me Faz Acreditar reforçam como um mosaico de pequenas referências particulares. É como se diversas obras fossem fragmentadas e organizadas em um único catálogo.

Se a ideia do trabalho é a de passear por diferentes cenários, parte específica disso foge dos próprios limites do criador. Abraçando as exigências dos colaboradores, o rapper vai da melancolia à celebração em uma resposta natural às regras dos visitantes. Enquanto os vocais sorumbáticos de Izabell Shamylla orquestram com timidez a estética de Depois das Três, No Melhor Estilo só encontra o resultado grandioso que ostenta por conta da interferência marcada do paulistano Terra Preta. Há também um espaço para a leveza essencial de Flora de Matos – em Sangue é Champagne e Enquanto Acaba -, que distancia boa parte do disco do fluxo matemático das batidas, garantindo um fechamento exato ao eixo final da obra.

Mesmo acompanhado por nomes de peso da produção nacional – caso da dupla Stereodubs, em Rolê dos Lokos -, Caro Vapor é uma obra entregue em essência aos inventos e comandos do próprio L. Assumindo uma postura isolada em relação ao que Emicida, Rashid ou qualquer outro nome do Rap brasileiro parece interessado em explorar, o artista usa do registro como uma obra entregue ao experimento – lírico e instrumental -, como se cada música dissolvida pelo disco fosse a certeza de um possível cenário a ser aperfeiçoado individualmente. Dessa forma, a efemeridade do bafo quente de um vapor aos poucos garante mais do que um registro a ser esquecido, mas o princípio de uma obra talvez maior dentro do catálogo vasto já assinado por Don L.

 

Don L

Caro Vapor – Vida e Veneno de Don L (2013, Vice)

Nota: 8.3
Para quem gosta de: Costa a Costa, Rashid e Emicida
Ouça: Sangue é Champagne, Depois das Três e Plástico

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.