Disco: “Conversas com Toshiro”, Rodrigo Campos

/ Por: Cleber Facchi 05/10/2015

Rodrigo Campos
Nacional/MPB/Alternative
https://soundcloud.com/rodrigo_campos
http://rodrigocampos.art.br/

 

Atenta, a música de Rodrigo Campos observa, explora, convive e busca abrigo. Do cenário nostálgico recriado em São Mateus Não É Um Lugar Assim Tão Longe (2009), passeio pelo bairro de São Mateus, zona leste de São Paulo, ao ambiente curioso, por vezes fictício de Bahia Fantástica (2012), diferentes personagens e histórias dançam pela geografia poética que define o mapa imaginário do cantor. Mais do que um relato imparcial, um fino exercício de interpretação, passagem para o Japão cinematográfico, mágico e particular detalhado pelo compositor em Conversas com Toshiro (2015, YB Music).

Terceiro registro de inéditas de Campos, o trabalho que conta com direção artística de Romulo Fróes soa como um passeio pela Terra do Sol Nascente sem necessariamente escapar do ambiente cinza de São Paulo. Como explícito nos versos, seres fantásticos e histórias de cada faixa, o Japão de Campos é visual, efeito direto da relação e fascínio do músico pelo universo cinematográfico criado por diretores como Ozu Yasujiro, Takeshi Kitano, Akira Kurosawa e Hayao Miyazaki; personagens e também “parceiros de composição” do músico ao longo da obra.

Dividido em duas partes – Amor e Brutalidade e Paisagem na Neblina -, Conversas com Toshiro sustenta na primeira metade o lado “humano” da obra, detalhando em faixas como Takesi e Asayo, Dois Sozinhos e Katsumi; versos que falam sobre morte, sexo, medo e violência. A partir de Abraço de Ozu, o início da segunda metade do disco, passagem para o universo existencialista das canções de Campos e, ao mesmo tempo, uma visita rápida ao universo de criaturas mitológicas e elementos característicos da cultura oriental.

Nascido da reinterpretação de diferentes narrativas, conceitos visuais e épocas, Conversas com Toshiro é um trabalho que parece montado de forma a atiçar a curiosidade do ouvinte, entretanto, por vezes tropeça em sua excessiva particularidade, criando pequenos bloqueios durante toda a execução. Diferente dos dois últimos discos do cantor, repletos de brechas e versos de fácil identificação, Campos encaixa uma série personagens, referências mitológicas e elementos pinçados do cinema japonês de forma particular, propositadamente confusa. Tudo parece muito restrito, pessoal, como um trabalho desvendado apenas pelo compositor. Em entrevista ao Estadão, comentando a estrutura das canções, Campos disse: “Na verdade, são conversas comigo mesmo. Parto de uma mitologia para criar reflexões das minhas próprias questões e inquietações”.

Ao mesmo tempo em que a poesia do disco força o distanciamento do ouvinte, difícil escapar da forma hipnótica como versos e melodias se cruzam no interior das faixas. Como um mantra budista, a montagem cíclica das letras lentamente encanta e prende o ouvinte. Bom exemplo disso está em Wong Kar Wai. Acompanhado de Juçara Marçal e Ná Ozzetti, Campos costura com uma letra que parece dançar na cabeça do ouvinte – “Wong Kar-Wai, Wong Kar-Wai era filho do pai” -, como se os versos fossem apenas um complemento para o delicado tecido instrumental da canção.

Essa mesma utilização dos versos como complemento aos arranjos parece explícita em todo o restante da obra. Oposto ao dos dois últimos discos do cantor, trabalhos movidos pelas histórias e sentimentos de diferentes personagens, em Conversas com Toshiro Campos parece correr para acompanhar a rica base instrumental montada para o disco, encaixando versos e ideias nas brechas de cada canção. Difícil escapar dos arranjos de cordas e uso minimalista do vibrafone em Abraço de Ozu ou da flauta de Thiago França na provocante Katsumi, sempre próxima dos versos eróticos da canção. Detalhes e encaixes pontuais que funcionam como uma espécie de passagem convidativa esse universo de temas e versos tão subjetivos, marcados pelos segredos.

Conversas com Toshiro (2015, YB Music)

Nota: 8.0
Para quem gosta de: Juçara Marçal, Passo Torto e Metá Metá
Ouça: Abraço de Ozu, Wong Kar Wai e Dois Sozinhos

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.