Disco: “Cut 4 Me”, Kelela

/ Por: Cleber Facchi 22/10/2013

Kelela
Electronic/R&B/Female Vocalists
https://www.facebook.com/kelelamusic

Por: Cleber Facchi

Kelela

Nostálgico, sem necessariamente se prender ao passado, pop, mas longe de se afogar em conceitos de estética redundante, Cut 4 Me (2013, Fade To Mind), mixtape de estreia da norte-americana Kelela, é uma obra que dança pelas referências sem em nenhum momento perder a visível autenticidade. Voz de uma sequência de projetos que marcam com excentricidade a eletrônica recente, a cantora centrada em Los Angeles, Califórnia deixa o plano de fundo a que estava submetida para firmar no primeiro exemplar solo um exercício nítido de experimento – mesmo já sabendo exatamente onde quer chegar.

Na contramão da avalanche de artistas que mergulham sedentos na década de 1990 como um cenário amplo de novidade, Kelela e o time de produtores que a acompanham encontram no período apenas uma base inventiva, nunca o todo. São os mesmos traços de R&B, Trip-Hop e até da música Techno estabelecida durante o período, porém, em um esforço particular, como se mesmo posicionada no panorama estético tramado há duas décadas, a artista fosse capaz de avistar o futuro. Dessa forma, a cantora é Aaliyah, Janet Jackson ou qualquer outra artista de sucesso da época sem perder a própria identidade.

Fragmentada entre diferentes produtores com foco na eletrônica, R&B e Hip-Hop, a mixtape encontra nesse cenário natural de diversidade um ponto autêntico. Cercada por nomes ainda recentes como Nguzunguzu, Girl Unit, Kingdom e Jam City, Kelela se transforma em um instrumento para os convidados, manuseando os vocais de acordo com as batidas impostas por cada artista. Dentro desse resultado vasto, há desde instantes pontuados pela sutileza dos arranjos e vozes (Cherry Coffee), até canções em que o dinamismo da cantora é posto à prova com doses de amargura (Enemy). Independente dos rumos, Kelela mantém a firmeza até o fecho do disco, conduzindo o espectador por uma tapeçaria de sentimentos e gêneros expostos com sobriedade.

O mais curioso dentro desse cenário partilhado entre diferentes produtores talvez seja perceber o quanto a relação entre as músicas é constante. Da leveza ambiental instalada em Do It Again, aos beats letárgicos/eróticos de Send Me Out, cada faixa do registro, independente de seu criador, parece fruto de uma mente autoral única. Parte específica desse resultado vem como uma decisão criativa de Kelela, administrando um catálogo padrão de sintetizadores, samples e batidas por toda a obra. É preciso observar que mesmo convertida em um instrumento vocal na maior parte do tempo, é dela a responsabilidade em amarrar todas as pontas do registro, trazendo na construção lírica dos temas o princípio de relação para as músicas.

Espécie de pasta conceitual que gruda todas as canções do disco, a melancolia, mais do que servir como ponto de relacionamento entre a cantora e o ouvinte, ameniza todas as canções em um mesmo cenário temático. Solitária, Kelela canta sobre amores que não deram certo, discorre sobre a carência e até brinca com a sexualidade em um exercício que mais do que erótico, esbanja sofrimento. Trabalhados em paralelo aos sons, cada verso proclamado pela artista parece fluir como complemento aos arranjos, algo que Something Else, A Lie e demais canções posicionadas na metade final do disco assumem como um propósito específico.

Ainda que íntima das referências sustentadas na década de 1990, curioso observar o quanto a cantora parece seguir por um caminho isolado em relação ao que Jessy Lanza, AlunaGeorge e tantos outros artistas recentes proclamam com natural compartilhamento de ideias. Seja na escolha por diferentes produtores ou o teor “artesanal” das batidas, algo típico de uma Mixtape, Cut 4 Me se apresenta como um trabalho naturalmente hermético, algo claro na construção intimista das bases, na forma como os versos são projetados e, principalmente, na maneira como os temas se manifestam como parte de um mesmo cenário temporal.

 

Kelela

Cut 4 Me (2013, Fade To Mind)

Nota: 8.5
Para quem gosta de: Jessy Lanza, FKA Twigs e Lulu James
Ouça: Enemy, Do It Again e Bank Head

[soundcloud url=”https://api.soundcloud.com/playlists/11345772″ width=”100%” height=”450″ iframe=”true” /]

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.