Disco: “Get To Heaven”, Everything Everything

/ Por: Cleber Facchi 29/06/2015

Everything Everything
Art Rock/Electronic/Alternative
http://www.everything-everything.co.uk/

Alguns trabalhos começam pela primeira faixa, outros, como Get To Heaven (2015, Sony RCA), pela capa. “Queríamos uma imagem impossível de ignorar, mesmo que ela fosse tão feia quanto o inferno“, disse o vocalista do Everything Everything, Jonathan Higgs, em entrevista ao site Creative Review. Produzida pelo artista gráfico neozelandês Andrew Archer, a colorida ilustração – bem como toda a identidade visual do álbum – cumpre com naturalidade sua função, atraindo de forma quase hipnótica a atenção do espectador desapercebido.

Muito além do atento jogo de cores fortes, psicodélicas, a imagem de um homem sendo atacado funciona como síntese do invasivo domínio político, religioso e até sentimental que define grande parte dos versos na presente obra. Mesmo que dialogue com essência “pop” dos antecessores Man Alive (2010) e Arc (2012), ao alcançar o terceiro álbum de inéditas, a amadurecimento explícito do quarteto de Manchester revela ao público todo um novo universo – sonoro e conceitual – a ser explorado.

Dramática, por vezes exagerada, a voz de Higgs serve de estímulo para o ambiente sombrio, caótico e essencialmente pessimista que se espalha ao longo das canções. Em um misto de passado e presente, faixas como Regret (“Alguma vez você viu sua vida escorrer pelas mãos?”) e Distant Past (“Leve-me para um passado distante / Eu quero voltar”) ironizam a suposta “evolução” do ser humano, discutem o crescente atuação de extremistas religiosos em toda a Europa e ainda apontam o completo isolamento dos indivíduos, cada vez mais frios, mecânicos, como robôs.

Tamanha seriedade das canções em nenhum momento distorce o caráter comercial do disco. Com produção assinada por Stuart Price – produtor que já trabalhou com Kylie Minogue, The Killers e Scissor Sisters -, Get To Heaven é uma obra marcada pelo rico acervo de faixas dançantes e acessíveis, como uma natural extensão da linguagem melódica alcançada no álbum de 2012. Nada de pausas ou mesmo espaço para o fortalecimento de composições “menores”. O esforço do quarteto prevalece mesmo na segunda metade do trabalho, postura evidente em músicas como Blast Doors e Zero Pharaoh.  

Propositadamente instável, a forma como o Everything Everything monta as próprias canções talvez seja a principal diferença em relação ao trabalho de outros artistas britânicos. Em meio a colagens que vão do Hip-Hop ao Britpop, passando pelo R&B e Krautrock, o nítido fortalecimento de uma obra versátil. Difícil não perceber a presença de veteranos como Radiohead nas guitarras de To The Blade, faixa que parece extraída do clássico The Bends (1995). Talking Heads (Spring / Sun / Winter / Dread), The Beach Boys (Regret), Destiny’s Child (No Reptiles) e outras influências confessas também aprecem no decorrer da obra, nada que distorça o caráter autoral da banda.

Conceitualmente amplo, mais do que um registro fatiado entre o experimento e a música pop, Get To Heaven sobrevive como uma obra provocativa. De um lado, a sonoridade melódica e radiante;  no outro, o domínio de falsos profetas, terrorismo e manipulações políticas, estímulo para a obscura construção dos versos. Reflexo da mesma dicotomia que perturba as relações humanas – bem e mal, esquerda e direita, guerra e paz… -, um trabalho de essência contrastada, naturalmente descomplicado e íntimo das pistas de dança, porém, ainda mais interessante quando analisado em seu subtexto.

Get To Heaven (2015, Sony RCA)

Nota: 8.5
Para quem gosta de: Foals, Wild Beasts e Alt-J
Ouça: To the Blade, Distant Past e Spring / Sun / Winter / Dread

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.