Disco: “Iara”, Iara Rennó

/ Por: Cleber Facchi 29/11/2013

Iara Rennó
Brazilian/Alternative/Female Vocalists
http://iararenno.com/

Por: Cleber Facchi

Iara
A crueza dos acordes e o minimalismo dos vocais chegam como novidade para quem esperava pela essência colorida de Iara Rennó. Longe da pluralidade de sons que abasteceram os dois discos pelo DonaZica, e distante das composições versáteis que a aproximaram de Tulipa Ruiz, Tom Zé e outros nomes da cena nacional, a cantora e compositora paulistana assume no primeiro registro solo um ambiente de plena ruptura. São faixas que se esquivam da redundância da nova MPB, abraçam os transambas de Caetano Veloso, até fragmentar e organizar a imagem da cantora em um novo cenário, exercício que praticamente converte a artista em um novo “personagem”.

De fluência precisa, quase matemática em determinados pontos, o disco assume na produção de Moreno Veloso uma inevitável extensão daquilo que Caetano vem promovendo desde a chegada de (2006). Construído em uma atmosfera de caos controlado, o projeto – Iara (2013, Joia Moderna) – cruza vozes e instrumentos em um mesmo composto musical, um tratamento homogêneo que funciona com naturalidade para a coluna vertebral que sustenta o álbum. Cru, mas nunca distante dos detalhes, a “estreia” de Rennó é uma obra que abraça com segurança os pequenos experimentos – mesmo que os limites e o planejamento da obra seja explícito durante todo o tempo.

Essencialmente melancólico, efeito evidente na arquitetura de Já Era, logo na abertura do disco, o trabalho substitui o exagero dramático de outras obras do gênero por um fluxo brusco de superação. A saudade ainda se apresenta como uma constante na formatação dos versos e arranjos que preenchem o disco, a diferença está na forma como a cantora parece seguir em frente – sem nunca olhar para trás. Mais do que um retrato sóbrio de um coração partido, Iara é um álbum que abraça a liberdade, um juramento marcado nos versos rápidos de Outros Tantos, e que se estende até a leveza de Elegbara, no fecho do disco.

Sem que haja qualquer forma de apego ao trabalho de outras artistas recentes (talvez Karina Buhr), Rennó faz do álbum uma morada para canções de essência particular. Dos ruídos eletrônicos encaixados em Miligramas, passando pela ambientação climática que cresce em Amor Imenso, cada música apresentada pelo disco parece sustentada com precisão, como um composto fundamental para o conjunto de referências particulares que definem o disco. Até mesmo quando aposta nos desgastados versos em francês, caso de Ma Voix, a cantora consegue ir além de outras cantoras próximas, encontrando um novo ponto de sustento para o gênero e o restante da obra em si.

Vestido como uma obra complexa, o registro aos poucos substitui o distanciamento por um jogo de experiências íntimas do grande público. Seja na lírica acessível de Outros Tantos (“Haverá outros tantos carnavais/ Entretanto, jamais, já não serão iguais”), como no jogo melódico que ocupa os versos de Arroz Sem Feijão (“O seu feijão tá salgado demais pro meu arroz/ E até o tempo aqui dentro parece passar mais lento”), a cada faixa Iara arremessa um jogo simples de elementos, porém, difíceis de serem evitados. São vocalizações em loop, arranjos que servem de sustento aos versos e uma constante aproximação entre as faixas que ecoa conforto em toda a audição do disco.

Ainda que brando quando próximo das referências conquistadas em Macunaíma Ópera Tupi – projeto coletivo inspirado na obra de Mário de Andrade -, com o presente disco Rennó parece interessada em explorar um novo rumo dentro da própria estética. A timidez intencional que solidifica e define o disco, na contramão do que parecia proposto, força a artista a brincar com os limites durante todo o tempo. É como se ao lidar com um conjunto específico de sons e traços líricos, o cenário em torno da cantora fosse aos poucos ampliado. Uma típica obra de abertura para um novo jogo de possibilidades, mas que já começou em alta.

 

Iara Rennó

Iara (2013, Joia Moderna)

Nota: 9.0
Para quem gosta de: Karina Buhr, Siba e Caetano Veloso
Ouça: Outros Tantos, Amor Imenso e Elegbara

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.