Disco: “Ivy Tripp”, Waxahatchee

/ Por: Cleber Facchi 14/05/2015

Waxahatchee
Indie/Singer-Songwriter/Alternative
http://www.waxahatcheemusic.com/

No universo criado por Katie Crutchfield não existem brechas para a construção de personagens, atos fantasiosos ou distorções poéticas capazes de ocultar a presença da cantora, guitarrista e personagem central da obra. Tudo gira em torno da mente perturbada e memórias nostálgicas da musicista, autora e protagonista de uma obra ampla, em pleno processo de montagem, mas que encontra em Ivy Tripp (2015, Wichita Recordings / Merge Records) um respiro leve, como um novo ponto de partida.

Para aqueles que acompanham o trabalho do Waxahatchee desde a estreia com American Weekend, em 2012, basta um passeio rápido pelo disco para perceber Ivy Tripp como um diálogo ainda mais expressivo com os sons, temas e referências explorados na década de 1990. Salve o reforço na utilização de arranjos mais “lentos”, quebrando a base enérgica do disco anterior, Cerulean Salt (2013), Crutchfield continua a brincar com a essência de Liz Phair, Kim Deal e outras veteranas de forma criativa, utilizando dessa temporária “desaceleração” como um estímulo para expandir ainda mais os próprios conceitos.

Dos versos iniciais, em Breathless – “Você olha para mim como se eu fosse uma rosa / Cantando uma canção que você não conhece” -, ao último suspiro da obra, com Bonfire – “Ele disse vá em frente / Eu digo vá em frente” -, Crutchfield não apenas reforça o papel de protagonista do trabalho, como ainda utiliza de cada canção espalhada como uma perturbadora ferramenta de confissão e exposição sentimental, detalhando desilusões amorosas, medos e tormentos recentes.

A julgar pela expressiva ausência de “linearidade” do disco, não seria um erro interpretar o presente álbum de Waxahatchee como uma coletânea de faixas ancoradas em toda uma variedade de pesadelos típicos de jovens adultos. Assim como em Cerulean Salt, obra também marcado pelo relato pessoal de Crutchfield, nada que ecoe de forma dramática. Mesmo nos instantes mais confusos e densos da obra, o apelo melódico das guitarras mantém a atenção do ouvinte em alta, sempre preso aos versos e arranjos acessíveis de cada canção.

Fuga leve da sonoridade lançada nos dois últimos trabalhos de Crutchfield, em Ivy Tripp, a busca por um universo possibilidades rítmicas e arranjos pouco complexos se faz evidente da abertura ao fechamento do disco. Ainda que a transformação ecoe de forma evidente em músicas como La Loose e outras composições “experimentais” do disco, basta um passeio pela inaugural Breathless para perceber a transformação de Waxahatchee. Distorções, efeitos sujos de guitarra e a voz limpa da cantora; se há dois anos Crutchfield herdava os principais acertos (e defeitos) de Liz Phair, hoje, o diálogo com a sonoridade de PJ Harvey – principalmente na fase Dry (1993) – é ainda mais expressivo.

Obra mais “hermética” de Crutchfield, mesmo quando comparada com a série de registros produzido em projetos paralelos – como P.S. Eliot, Swearin’ e The Ackleys -, Ivy Tripp, mais do que um exercício de isolamento é uma obra de adaptação. A tentativa de uma artista atormentada em sobreviver dentro de um mundo criado por ela mesma.

Ivy Tripp (2015, Wichita Recordings / Merge Records)

Nota: 8.0
Para quem gosta de: Courtney Barnett, Speedy Ortiz e Torres
Ouça: Breathless, La Loose e Summer Of Love

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.