Disco: “Lira”, Lirinha

/ Por: Cleber Facchi 13/09/2011

Lirinha
Brazilian/Alternative/Experimental
http://www.josepaesdelira.net/

Por: Fernanda Blammer

Se grande parte do que era produzido em solo tupiniquim na primeira metade dos anos 2000 parecia seguir a cartilha planejada pelo Los Hermanos através do clássico Bloco do Eu Sozinho, Lirinha e seus parceiros do Cordel do Fogo Encantado foram responsáveis por trazer um sopro puro de inventividade ao redundante cenário que se materializava naquele momento. Herdeiro ou talvez um filho pródigo da geração Mangue Beat, o grupo pernambucano de Arcoverde resgatou através de sua música um esquecido cruzamento entre as artes cênicas, poesia e música regional, fazendo com que seus 11 anos de carreira e seus três verdadeiros espetáculos armazenados em disco trouxessem um complemento mais do que necessário para a recente safra da nova música brasileira.

Contudo, engana-se quem pensa que ao partir em carreira solo – o Cordel anunciou o fim de suas atividades em fevereiro de 2010 – José Paes de Lira, ou simplesmente Lirinha seguiria fazendo uso das mesmas experiências musicais e poéticas que o acompanharam em mais de uma década de produções quase ininterruptas. Por mais que cada segundo dentro de Lira (2011,Independente) revele características – principalmente em seus versos – que remetam ao anterior projeto do músico pernambucano, nada ali segue a mesma ordem de outrora, o que obviamente já garante um teor de novidade e expectativa em torno da obra.

Longe de toda a instrumentação percussiva e dos elementos cênicos que circundavam de forma grandiosa o trabalho de sua antiga banda, em sua atual empreitada são as guitarras e uma tonalidade opaca que ditam os rumos a serem percorridos pela voz de Lirinha, fazendo com que o “debut” do músico ganhe um toque de sobriedade e versos posicionados de maneira parcialmente hermética. Rompendo com os aspectos regionais e se voltando para um projeto exposto de forma quase intimista em diversos momentos do disco, o cantor se concentra em produzir um trabalho dotado de uma linguagem própria, urbana e deveras sombria em grande parte do tempo.

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Acompanhado de um belo time de músicos – que incluem Pupillo (Nação Zumbi), Bactéria (ex-Mundo Livre) e Neilton (Devotos) -, o cantor vai de maneira ponderada ocupando todos os espaços do disco, preenchendo cada segundo do trabalho com guitarras propostas de maneira sombria, além de efeitos que delimitam o álbum de forma substancialmente climática, um tipo de espaço instrumental mais do que adequado aos específicos versos das 12 canções que habitam o disco. Há desde experimentações eletrônicas (Memória e Eletrônica) até flertes com jazz e o samba (Noite Fria), fazendo com que o disco se dissolva em uma miscelânea de estilos e tendências que parecem traduzir todas as necessidades de seu idealizador.

Mesmo que o álbum em diversos momentos siga por um caminho obscuro e complexo em sua parcialidade, Lira passa longe de soar como um trabalho demasiado específico ou difícil de ser absorvido. Seja pelo uso de versos que crescem a toda hora – talvez a maior herança de sua anterior banda – ou pela constante alteração instrumental que delimita a obra, a estreia de Lirinha vai lentamente desenrolando um poderoso arsenal de belas composições, faixas que revelam uma produção impecável – a condução do trabalho ficou nas mãos de Pupillo, que mixou o álbum em Paris – e que trazem a fundamental participação de artistas como Otto, Fernando Catatau e Ângela Rô Rô.

Grandioso e ponderado na mesma medida, o álbum flui sem exageros, com Lirinha seguindo um caminho apenas seu, sem medo de não se apegar ao passado e consequentemente proporcionando um disco de acertos. Por mais que os vocais e o lirismo proposto pelo artista em seu versos ainda o puxem em alguns momentos para suas antigas produções – há um profundo toque de Transfiguração (último álbum do Cordel do Fogo Encantado) em diversos momentos do recente disco -, em Lira o pernambucano segue propondo um registro distinto, dono de um som renovado e que independente de agradar seus antigos seguidores é mais do que capaz de amarrar um novo e grandioso número de fiéis apreciadores.

Lira (2011, Independente)

Nota: 7.2
Para quem gosta de: Otto, Cidadão Instigado e Céu
Ouça: Ela vai dançar

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.