Disco: “MetaL MetaL”, Metá Metá

/ Por: Cleber Facchi 14/11/2012

Metá Metá
Brazilian/Experimental/Jazz
http://desmonta.com/artistas/meta-meta/

Por: Cleber Facchi
Foto: Fernando Eduardo

Kiko Dinucci, Juçara Marçal e Thiago França reinventaram a herança africana com o primeiro registro em estúdio do Metá Metá. Autointitulado, o álbum amarra de forma experimental todas as experiências que há anos delimitaram o universo individual de cada membro. Minimalista na forma como parecia brincar com as vozes, acordes e encaixes ruidosos de saxofone, o registro serviu para apresentar a proposta por vezes incompreensível do trio, que se arremessa em direções opostas faixa após faixa, estabelecendo curiosos encontros entre a extensão irregular e nunca óbvia de cada nova canção. A medida não somente apresentou a arquitetura que envolvia o trabalho da trinca, como hoje parece revelar de forma decisiva o que a banda entrega com o segundo e mais novo registro em estúdio.

Tão incerto e curioso quanto o registro que o antecede, MetaL MetaL (2012, Independente) assume uma particularidade densa em oposição ao primeiro trabalho do grupo, fundindo como metal derretido cada característica do trio de forma sóbria e ainda mais instigante. Grandioso na maneira como o instrumental percussivo, baixo ou mesmo os já tradicionais elementos do grupo são acrescidos, o álbum encontra na medida entre o samba, rock, jazz, noise e punk (!) uma medida antes impossível de ser prevista ou sequer imaginada dentro do recheio tribal que ecoava há menos de um ano. Como o título já aponta, o novo álbum da tríade paulistana parece pronto para agredir ou talvez soterrar sob um composto sujo e acinzentado os tímpanos do espectador.

Posicionando Marçal em um segundo plano, quanto mais adentramos o interior do registro, mais a instrumentação toma o controle do álbum, quebrando de forma consciente com boa parte do que fora tramado no decorrer do primeiro disco. Dentro desse cenário de valorização do instrumental, o entrelace constante entre as guitarras, a percussão quente e o saxofone desgovernado de França aproximam o trio de muito do que fora concebido por Miles Davis ao longo de toda a década de 1970. Tanto Man Feriman quanto o primeiro single, Oya, se tornam íntimas do que marca a construção de clássicos como Bitches Brew (1970) e Live-Evil (1971), principalmente pela maneira como o ritmo surge quebrado e intencionalmente sujo na formação de ambos.

[youtube:http://www.youtube.com/watch?v=WQORWbYNSUc]

[youtube:http://www.youtube.com/watch?v=nE7HNXjCwwk]

Tão logo inicia ao som desconcertante de Exu, fica clara a proposta da banda com o lançamento do novo disco. A cada nova música, o registro soa dono de um som que se prontifica raivoso, esquivo e intenso, como se o rock fosse devorado por alguma entidade africana e depois vomitado, coberto por uma massa de novas experiências e sensações. O resultado floresce o aparecimento de vozes esquizofrênicas que se esbarram em sons opacos, rompendo de maneira decisiva com as amarras líricas e o encaixe quase delicado que tanto decidiu Metá Metáe músicas como Obatelá. Mesmo os vocais de Marçal (outrora melódicos e límpidos) parecem poluídos pelo clima sombrio da obra, agravando a proposta complexa do registro.

De todos os elementos que aproximam o atual projeto do primeiro álbum (e mais especificamente as faixas concentradas na segunda etapa do lançamento), provavelmente a religiosidade seja o principal e mais decidido deles. Expressa para além do título das composições, cada verso concebido ao longo do registro entrelaça santos, demônios, espíritos e manifestações ocultas de forma a transformar o álbum em um concentrado de preces e canções de proteção – algumas até de maldição. Tudo ordenado de forma coerente com o tom cinza do realce “rock” e “urbano” que tanto corta os laços e possíveis associações com o hoje tímido primeiro álbum do trio.

Com uma estrutura ainda difícil de ser compreendida, o disco amplia de forma bastante visível o que fora concebido previamente por Dinucci (dentro do Passo Torto), como por Thiago França (na execução do recente primeiro álbum do Sambanzo). Fica na extensão de MetaL MetaL a sensação de que tudo o que foi produzido de maneira individual pelos músicos (além da própria vocalista) se manifesta como um aprendizado para o que é concluído pelo trio no presente instante. Um registro que até permite uma parca compreensão e possível entendimento, mas que mantém oculto ou revelando em doses grande parte do que mantém submerso nas camadas de cada composição.

MetaL MetaL (2012, Independente)

Nota: 8.8
Para quem gosta de: Sambanzo, Passo Torto e Amabis
Ouça: Oya, Man Feriman e São Jorge

[soundcloud url=”http://api.soundcloud.com/playlists/2720131″ height=”200″ iframe=”true” /]

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.