Disco: “Nheengatu”, Titãs

/ Por: Cleber Facchi 20/05/2014

Titãs
Brazilian/Rock/Punk Rock
http://www.titas.net/nheengatu/

 

Por: Cleber Facchi

Titãs

Duas décadas se passaram desde que os Titãs apresentaram ao público o “estranho” e cru Tudo ao Mesmo Tempo Agora (1991). Último trabalho com a formação clássica da banda, o sexto registro em estúdio – ignorado/incompreendido pelo público e crítica na época do lançamento -, parece ser a chave para entender os conceitos de Nheengatu (2014, Som Livre), mais recente invento do grupo paulistano. Encarado como um regresso musical ao período mais agressivo da banda – pós-Cabeça Dinossauro -, o 14º disco do (hoje) quarteto pode até ser encarado como uma obra bem resolvida, mas ainda está longe de igualar o mesmo posicionamento que consolidou a banda.

Antes de ser encarado como um possível diálogo com o passado, Nheengatu – que em Tupi-Guarani pode ser traduzido como “Língua Geral” – se revela como um aliviado respiro criativo dentro da produção que o grupo trouxe nos últimos 20 anos. Depois de usurpar do Grunge em Titanomaquia (1993), abraçar a redundância na sequência que vai de Domingo (1995) ao irritante As Dez Mais (1999), além de perder completamente a direção em Como Estão Vocês? (2003) e Sacos Plásticos (2009), com o novo disco, a banda assume um posicionamento conciso, resgatando aspectos importantes da própria identidade – há muito esquecida ou completamente abandonada.

Parte desse regresso estético do grupo – hoje assumido por Branco Mello,  Paulo Miklos, Sérgio Britto e Tony Bellotto – vem da imposição evidente de Rafael Ramos, produtor do disco, bem como a presença de Mario Fabre, substituto do ex-baterista Charles Gavin. Enquanto o primeiro, que já produziu o trabalho de bandas como Los Hermanos e Raimundos, extermina todo e qualquer traço de excesso instrumental, o segundo usa das batidas secas como um estímulo para o restante dos arranjos. Dentro desse enquadramento “econômico”, e ainda assim sujo, o trio de vocalistas/compositores encontra um espaço livre para exaltar aquilo que o Titãs sempre trouxe como a principal arma: as letras.

Tal qual o disco de 1991, Nheengatu vive das experiências sujas dos indivíduos. Uma obra que reflete o completo descontrole urbano e o teor caótico que toma conta de qualquer metrópole. Contudo, se há duas décadas o posicionamento lírico do coletivo era tratado de forma aleatória, como a representação de um adolescente niilista e suas considerações sobre sexo (Clitóris), desordem () e escatologia (Isso Para Mim É Perfume), hoje a banda assume postura, abraçando um discurso típico da fase adulta. Racismo, preconceito e morte sintetizam parte dos temas presente álbum, direção coesa na urgência realista de faixas como Cadáver Sobre Cadáver, Canalha e, principalmente, no “diálogo” entre vitima e agressor de Pedofilia, uma das canções mais perturbadoras já escritas pela banda.

Mesmo a fluência assertiva dos versos e a precisão dos arranjos não distancia o quarteto dos tropeços evidentes no decorrer da obra. Exemplo disso está na repetição temática de Fardado, música que abre o disco e recicla o mesmo enquadramento poético de Polícia, faixa clássica de 1986. Outro defeito do álbum reside na banalização do próprio discurso do grupo, que soa pueril nos versos “políticos” e “sociais” ostentados pelas óbvias Mensageiro Da Desgraça e Chegada Ao Brasil (Terra À Vista). Pequenos instantes de desequilíbrio, mas que aos poucos são consertados na pancadaria de Quem São Os Animais? e Senhor, representantes de toda a agressividade irônica que há tempos parecia enterrada pela banda.

Manifestação natural da atual fase de cada membro e, em diversos aspectos, da própria situação do país, Nheengatu é a tentativa dos Titãs em estabelecer ordem dentro de um cenário abastecido pelo caos. Musicalmente voltado ao passado da banda, bem como para os inventos paralelos de seus integrantes – principalmente o noise-punk do Kleiderman -, o recente disco é a prova de que o grupo paulistano está vivo, cambaleando em alguns instantes, mas ainda capaz gritar tão alto quanto no fim da década de 1980.

 

Nheengatu

Nheengatu (2014, Som Livre)
Nota: 6.5
Para quem gosta de: Violins, Ira! e Arnaldo Antunes
Ouça: Pedofilia, Cadáver Sobre Cadáver e Senhor

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.