Disco: “Post Tropical”, James Vincent McMorrow

/ Por: Cleber Facchi 14/01/2014

James Vincent McMorrow
Indie/Folk/R&B
http://jamesvmcmorrow.com/

Por: Cleber Facchi

Desde que resolveu assumir os próprios sentimentos em Early in the Morning, álbum de estreia lançado em 2010, o irlandês James Vincent McMorrow parece ter se convertido na matéria-prima da própria obra. Tendo no manuseio tímido dos violões e vozes referências complementares para cada canção, o músico chega ao segundo registro de estúdio em um explícito sentido de mudança, exercício que naturalmente converte as criações do músico em algo maior do que um refúgio autoral e isolado. De forte direcionamento sonoro e harmonias costuradas com atenção, Post Tropical (2013, Vagrant) aos poucos escapa das mãos de seu criador, alcançando em uma composição universal os sentimentos do próprio público.

Com uma bateria eletrônica Roland TR-808 como principal instrumento do registro, McMorrow involuntariamente esbarra no “folk eletrônico” testado no segundo disco de Bon Iver. Todavia, enquanto as canções assinadas por Justin Vernon assumem no manuseio atmosférico um princípio de comunicação para o disco, em Post Tropical todos os elementos se manifestam em um sentido muito mais orgânico, quase tátil. É possível visualizar o cantor e os lamentos típicos do R&B em um cenário real, direcionamento que rompe com o clima quase místico do norte-americano. Em um palco escuro, McMorrow aos poucos disseca sentimentos, indo do passado (Cavalier) ao presente (All Points) em uma verve essencialmente melancólica.

Delicado, o presente disco não apenas muda completamente a estratégia adotada por McMorrow, como se estabelece a apresentar de forma definitiva o trabalho do cantor. Em uma atmosfera evidente de recomeço, o músico usa de cada faixa como um mecanismo de experimento, cruzando tanto essências pacata da música Folk dos anos 1960, como doses específicas do Hip-Hop da década de 1980. Sem que haja a necessidade de se concentrar em uma estética aparente, o cantor acaba brincando com a colagem de gêneros de forma segura, transportando o ouvinte para um cenário que parece desvendado por ele próprio, mas que ainda assim oculta sua verdadeira forma.

Às vezes minhas mãos sentem como se não fossem minhas/ Eu preciso de alguém para amar/ Eu preciso de alguém para segurar”. A carência impregnada nos versos de Red Dust, terceira faixa do disco, parece definir com acerto toda a composição lírica da obra. Dissecando o que parece ser um término de relacionamento ainda recente, McMorrow mergulha em uma espiral cada vez mais dolorosa, como se faixa, após faixa, uma parte do espírito do cantor fosse mergulhada em sofrimento. Na contramão de outros registros similares, em que a dor se converte em libertação, ao aportar em Outside, Digging, canção de encerramento do disco, o cantor parece ainda mais perturbado, arrastando o ouvinte para junto dele.

Longe de sufocar o espectador em um universo de canções monotemáticas, McMorrow usa da melancolia como um natural mecanismo de sustentação e dinamismo. Mesmo cantando sobre a solidão, abandono e desespero, o cantor de forma alguma se distancia de uma estratégia radiofônica, exercício que parece seguido com acerto até o último acorde do trabalho. Aos comandos quase orquestrais do artista, o condensado amargo das palavras serve de estímulo para que faixas mais acessíveis, caso de Gold, ou mesmo canções “épicas”, exercício assumido por Glacier, preencham a construção da obra.

Passo seguro dentro da atuação de McMorrow, Post Tropical é uma obra que interpreta os sentimentos de seu criador de forma a romper com prováveis limites ou instantes de pleno hermetismo do trabalho passado. Ainda que a arquitetura do álbum esbarre na proposta de artistas como Lambchop, James Blake, além do já mencionado Bon Iver, ao transformar cada verso em um reflexo do próprio cotidiano, o irlandês não apenas reforça identidade, como se distancia com leveza de qualquer aproximação imediata. Ao final, sobrevive apenas uma obra em que os sentimentos e a pura confissão ultrapassam qualquer comparação prévia.

 

Post Tropical (2013, Vagrant)

Nota: 8.0
Para quem gosta de: Bon Iver, Lambchop e James Blake
Ouça: Cavalier, Red Dust e Look Out

 

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.