Disco: “Sábado”, Cícero

/ Por: Cleber Facchi 03/09/2013

Cícero
Brazilian/Indie/Alternative
http://www.cicero.net.br/

Por: Cleber Facchi

Expectativa e frustração se misturam no Sábado de Cícero. Distante do cenário amargo e das confissões melódicas que abastecem o bem recebido (para não dizer “adorado”) Canções de Apartamento (2011), o músico carioca encontra no segundo registro em carreira solo uma ruptura intencional em relação a própria obra. Espécie de fuga “experimental” para um cenário abastecido por violões minimalistas, ruídos e poucos versos, o trabalho cresce em uma atmosfera de isolamento. É como se cada acorde ou mínima partícula sonora caminhasse em um sentido oposto ao álbum anterior. Um misto constante de ressaca e imersão forçada que tenta parecer vanguarda, mas na verdade é apenas retrocesso – ou talvez nem isso.

Olhem para a capa de Canções de Apartamento. Todas as pistas que abastecem o novo disco estão lá. As referências ao trabalho de Thom Yorke/Radiohead, as colagens literárias, os Beatles da fase Revolver (1966), memórias avulsas, porém, ordenadas de maneira precisa. Tudo parece empilhado em uma estante de tendências líricas e conceituais, tendo na melancolia confessa (e temporária) o princípio para a organização óbvia desses elementos. Em Sábado, todos essas marcas são novamente resgatados pelo cantor, com a diferença de que não há um fio condutor, não há um tema, não há qualquer chance de abertura ao velho universo de Cícero. Apenas desordem fingindo maturação.

Pergunto: Se não fosse por Canções de Apartamento, você realmente ouviria o novo disco de Cícero? Caso um trabalho tão recluso quanto o atual fosse apresentado há dois anos, haveria o mesmo interesse por parte do público ou ele seria apenas mais um projeto “estranho” a ser descartado? Sábado é uma obra incapaz de despertar interesse, como se o ouvinte fosse obrigado a buscar por algum verso mais simples ou melodia acessível para circular com apego pelo álbum. Mesmo como uma obra de caráter “experimental” ela está longe de parecer completa. Parece até um disco inteiro feito com músicas menos atrativas de uma coletânea de sucessos. Aquele tipo de faixa que você simplesmente pula só para ver se encontra algum hit ou composição que você realmente gosta. No caso de Sábado, elas nunca chegam.

Mesmo que exista “coragem” no exercício de provocação exposto pelo músico – ato pouco óbvio se levarmos em conta o louvor do público e a ampla aceitação do debut -, Sábado está longe de eximir Cícero dos erros que atualmente o acompanham. Em uma tentativa de (re)criar o próprio Kid A/Araçá Azul/Bloco do Eu Sozinho – e não digam que não -, o cantor esbarra em um trabalho morno, quase um rabisco. Trata-se visivelmente de um registro de ideias, rasas na maior parte do tempo, como se todos os sons e versos borbulhassem em um entendimento exato apenas na mente de seu criador. Egoísta, recluso ou simplesmente inclinado a provocar, o álbum é um resumo vago de diversas experiências, e a julgar pelo acabamento de outros exercícios prévios do musico – seja no debut ou com a extinta banda Alice -, o que é apresentado agora está longe de impressionar.

Dentre as movimentações que caracterizam o novo trabalho, as letras representam a mudança mais brusca de todo esse contexto. Quem espera por uma possível continuação das confissões entregues há dois anos, verá em Sábado um tratado lírico quase descritivo, cru. É como se o cantor acordasse da sexta-feira encerrada em Ponto Cego, no fechamento do álbum passado, para trilhar as ruas do Rio de Janeiro. Exemplo claro disso está nos versos de Ela e a Lata, Por Botafogo e Asa Delta, composições que praticamente crescem como pequenos cenários. Um conjunto de panoramas rápidos a serem completos com os ruídos de carros, sons ambientais e complementos urbanos carregados pela efemeridade.

Cícero é um verdadeiro artesão, um dos poucos no que tange o domínio de faixas melancólicas e impregnadas pelo romantismo. Porém, nada disso se repete em Sábado. Não há problema algum em cantar Tempo de Pipa com os olhos fechados ou chorar ao som de Açúcar Ou Adoçante?. O problema é você fingir que gostou de uma obra que anula toda a beleza da anterior. Cícero fez nascer um disco que praticamente obriga os próprios seguidores a não gostarem do simples, a terem vergonha do óbvio, a entender que um refrão é coisa de principiante – quando na verdade não é.

Instável, Sábado parece ser um passo torto (ou talvez uma sequência deles) dentro da ainda recente carreira de Cícero. Um trabalho planejado de forma a ocultar sensações, vozes e até mesmo a presença dos convidados que abastecem a obra de forma inexpressiva – Marcelo Camelo, Silva, Marcela Vale (Mahmundi), Luiza Mayall e Uirá Bueno (Canastra) “estão” pelo disco. Há um acerto claro no fato do músico escolher o caminho menos óbvio para dar sequência a uma obra tão exageradamente aclamada quanto a anterior. Contudo, não confunda “experimentação” com “irregularidade”, “coragem” com “preguiça” e, principalmente, “maturidade” com “descaso”. Antes de sair por aí, estufando o peito ou derramando longos textos para defender Sábado como uma obra-prima, repense: você realmente gostaria do disco se não fosse por Canções de Apartamento? Duvido muito.

 

Sábado

Sábado (2013, Independente)

Nota: 4.0
Para quem gosta de: Wado, Marcelo Camelo e Momo
Ouça: Por Botafogo e Frevo Por Acaso

 

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.