Disco: “Silence Yourself”, Savages

/ Por: Cleber Facchi 01/05/2013

Savages
Indie Rock/Post-Punk/Alternative Rock
http://silenceyourself.savagesband.com/

 

Savages

Perhaps, having deconstructed everything, we should be thinking about putting everything back together. Silence yourself

Do instante em que Horses (1975) de Patti Smith teve início, passando pelas guitarras de PJ Harvey até alcançar o fecho ruidoso de Fever to Tell (2003) do Yeah Yeah Yeahs, tudo se projeta como um alimento para o ambiente instável criado pelo Savages. São anos de discurso ideológico e confissões femininas que, mesmo marcadas por características específicas, assumem um encaminhamento sombrio assim que o disco tem início. Basta a linha de baixo de Shut Up ou o riff mezzo épico de She Will para que o quarteto inglês perverta décadas de produção musical, resultado que direciona sem pausas um trabalho capaz de romper com o significado do próprio título e que jamais se entrega ao silêncio.

Na contramão de outros registros do gênero, entre eles o recente Cerulean Salt da norte-americana Waxahatchee ou mesmo o autointitulado debut de Torres, Silence Yourself (2013, Matador) deixa a essência feminina para manifestar um trabalho de apelo universal. Não há nada que represente a ironia suja testada há duas décadas por Liz Phair no clássico Exile in Guyville (1993), ou mesmo os lamentos alcoólicos que encaminharam Cat Power desde o fim dos anos 1990. Tão logo o álbum tem início, as guitarras e principalmente os versos firmes de Jehnny Beth assumem uma postura decidida. Um reforço amargo e raivoso que em poucos instantes minimiza a virilidade de qualquer álbum “masculino” lançado nos últimos anos.

De fato, a brincadeira entre os gêneros e a dualidade entre o masculino e o feminino parece revelar boa parte dos elementos que impulsionam a obra. “Ela vai entrar na sala/ Ela vai subir na cama/ Ela vai falar como um amigo/ Ela vai beijar como um homem”, despeja Beth em She Will, primeiro single do disco e canção que representa uma estranha aproximação com a obra do Sleater-Kinney, não com o discurso ideológico feminista em si, mas com a dicotomia do personagem principal de cada canção. Em Silence Yourself a divisão entre os gêneros parece intencionalmente programada para assustar, afinal, poderia uma banda de garotas produzir um registro tão intenso e visceral “quanto um homem?” Os machistas terão de aceitar de imediato, visto que atualmente poucos assumem uma guitarra tão bem quanto Gemma Thompson e ainda mais raros são os que constroem paredões de baixo tão imensos quanto os de Ayse Hassan.

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Assim como a poesia do disco interpreta um texto por vezes agressivo e que despreza a sensibilidade, os instrumentos entalhados no decorrer da obra partem do mesmo princípio. Contrário da maioria dos trabalhos, em Silence Yourself não são as batidas consistentes da baterista Fay Milton que ditam os rumos da obra, mas os vocais de Jehnny Beth. Ainda que os efeitos de percussão preencham todos os espaços vazios do disco, cada acorde ou som que percorre o trabalho parece se mover de acordo com os passeios instáveis da vocalista. Em Hit Me, por exemplo, todos os elementos se calam para que a cantora decida os rumos de uma canção que vai do proto-punk até a alvorada do Black Flag.

Ainda que parte das referências assumidas pelo quarteto venham de obras expressivas para a manifestação da mulher dentro do rock, o universo do Savages vai além desse “limite”. Pelo jogo agressivo das linhas de baixo e pela forma matemática como as guitarras explodem em diversos momentos, Joy Division parece surgir como uma referência lógica. Entretanto, a música do quarteto inglês vai além, brinca com os ruídos do My Bloody Valentine (nos instantes menos orquestrados), Pixies, Sonic Youth e até com particularidades do Noise Pop que parecem próprias do grupo. Independente das escolhas, toda a manifestação do quarteto dança em uma medida próxima da extinção, afinal, o ritmo acelerado dado ao registro clama pela efemeridade, o que naturalmente obriga o ouvinte a tirar máximo proveito de cada instante da obra.

De natureza instável, Silence Yourself traz na capa do álbum um curioso “manifesto”. Alimentado por uma proposta quase filosófica, o volumoso texto (veja na íntegra abaixo) parte do princípio de que é necessário “desconstruir tudo”, “botar as coisas no lugar” e depois “silenciar-se”. Levando em conta a carga ruidosa que preenche o disco e a orientação metafórica do texto, o silêncio assumido pelo quarteto não é o ponto final de uma grande reflexão existencialista ou mesmo sonora, mas o prelúdio de um instante ainda maior de caos e ruído, como o que se desmancha com atenção por todo o álbum. É preciso se desligar dos gêneros, afinal, nem homens, nem mulheres seriam capazes de alcançar um disco tão sujo e inteso quanto este, apenas selvagens, e é exatamente isso que estas quatro garotas são.

 

Savages

Silence Yourself (2013, Matador)

 

Nota: 8.8
Para quem gosta de: PJ Harvey, Iceage e St. Vincent
Ouça: She Will, Marshal Dear e Shut Up

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“The world used to be silent. Now it has too many voices and the noise is a constant distraction. They multiply, intensify. They will divert your attention to what’s convenient and forget to tell you about yourself. We live in an age of many stimulations. If you are focused you are harder to reach. If you are distracted you are available. You want flattery. Always looking to where it’s at. You want to take part in everything and everything to be a part of you. Your head is spinning fast at the end of your spine, until you have no face at all. And yet if the world would shut up, even for a while, perhaps we would start hearing the distant rhythm of an angry young tune, and recompose ourselves. Perhaps, having deconstructed everything, we should be thinking about putting everything back together. Silence yourself”.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.