Disco: “You’re Dead!”, Flying Lotus

/ Por: Cleber Facchi 07/10/2014

Flying Lotus
Experimental/Electronic/Jazz
http://flying-lotus.com/youre-dead/

Por: Cleber Facchi

A experiência de ouvir milhares de discos dentro de um único trabalho. Esta talvez seja a melhor forma de resumir o som desenvolvido por Steve Ellison com o Flying Lotus. Adepto da constante transformação dos arranjos e fórmulas musicais, o produtor californiano encontra em You’re Dead! (2014, Warp), quinto registro de estúdio, sua obra mais instável e ainda assim linear. Um passeio curioso pelo Jazz herdado da própria família, ao mesmo tempo em que desenvolve um resgate do mesmo Hip-Hop místico projetado no primeiro álbum da carreira, o distante 1983 (2006).

Fuga dos plano onírico/conceitual lançado no antecessor Until the Quiet Comes (2012) – uma obra repleta de temas voltados ao “mundo dos sonhos” -, You’re Dead! sobrevive como um registro de improviso, etéreo, mas ainda capaz de manter os pés no chão. Sobrinho-neto de Alice Coltrane e John Coltrane, Ellsion assume no presente disco um evidente espaço de referência, resgatando os mesmos temas experimentais incorporados pelos familiares na década de 1960 e 1970, ao mesmo tempo em que esbarra na obra de outros veteranos dos gênero, principalmente Miles Davis, Sun Ra e Herbie Hancock.

Por falar em Hancock, pertencem ao músico as harmonias de pianos aplicadas em Tesla e Moment of Hesitation, composições que melhor resumem os traços de Jazz Fusion dissolvidos em toda a obra. Primeiro convidado a surgir pelo disco, o pianista parece ser a ponte para o ambiente atual/nostálgico que preenche todo o trabalho. Ora íntimo de obras como Universal Consciousness (1971) e Head Hunters (1973), ora inclinado a visitar o próprio universo, Ellison passeia pelo tempo, fazendo com que convidados como Kendrick Lamar (Never Catch Me) e Angel Deradoorian (Siren Song) permaneçam tão íntimos do presente, quanto do cenário “planejado” há quatro décadas

Com uma verdadeira colcha de retalhos nas mãos, Ellison mais uma vez segue a estrutura versátil projetada para o trabalho de 2010, Cosmogramma. São composições essencialmente curtas (quase vinhetas), encaixes abstratos de voz e todo um catálogo de bases instrumentais isoladas. Fragmentos aleatórios, mas que parecem vindos de uma mesma base temática. A diferença está no completo afastamento do produtor em relação ao uso de samples e pequenas colagens eletrônicas – componentes fundamentais nos quatro últimos discos de FL.

A ser desvendado lentamente, como qualquer obra de Flying Lotus, You’re Dead! carrega uma série de elementos encaixados de forma a prender o ouvinte ainda na primeira audição. Rimas bem solucionadas em Never Catch Me (“Life and death is no mystery and I wanna taste it“), temas empoeirados no interior de Coronus, the Terminator ou mesmo as tradicionais faixas melancólicas que sempre pontuam o trabalho do produtor – hoje acompanhado de Niki Randa em Your Potential//The Beyond, além da velha parceira Laura Darlington em The Protest. Mesmo as ilustrações de Shintaro Kago para o encarte do trabalho parecem assumir o mesmo efeito “hipnótico”.

Da bateria descontrolada de Deantoni Parks, passando pelas guitarras de Brendon Small, até alcançar as linhas de baixo de Stephen Bruner (Thundercat), a cada instante do disco o espectador é arremessado para um cenário novo, inesperado. Intenso, o álbum converte todo ruído e um ato grandioso, efeito explícito na colisão de temas instrumentais que sustentam Turkey Dog Coma ou curtinha Cold Dead. Mesmo os versos/rimas de Ellison – aqui representado pelo personagem de Captain Murphy -, refletem maior sensibilidade e grandeza, como uma fuga da lírica robótica antes sustentado pelo produtor. Em um sentido contrário ao expresso no próprio título, You’re Dead! respira e se movimenta como uma obra viva, por vez, de forma completamente insana

You’re Dead! (2014, Warp)

Nota: 8.5
Para quem gosta de: Teebs, J Dilla e Shlohmo
Ouça: Turkey Dog Coma, Never Catch Me e Tesla

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.