DJ-Kicks: 10 Discos Essenciais

/ Por: Cleber Facchi 06/07/2015

Lançada em 1995 pelo selo germânico !K7 Records, a série DJ-KiCKS é de longe um dos projetos mais importantes (e versáteis) da música eletrônica atual. Originalmente pensada como um resumo da cena Techno/House que se espalhava pela Europa na década de 1990, a seleção de obras lentamente expandiu seus conceitos, absorvendo diferentes panoramas, gêneros e preferências musicais em mais de 20 anos de produção. Entre trabalhos assinadas por produtores (Four Tet, Carl Craig), músicos (Erlend Øye, Annie) e até mesmo bandas (Hot Chip, Chromeo), a série acaba ter o 50º registro apresentado ao público. Para celebrar a sequência de lançamentos, um resumo com 10 discos essenciais do catálogo DJ-KiCKS.

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DJ-Kicks: C. J. Bolland
(1995, !K7)

Primeiro registro da série DJ-Kicks, o trabalho que leva a assinatura de C. J. Bolland mostra uma sonoridade completamente distinta em relação aos futuros lançamentos do projeto. Em uma montagem regular, por vezes fria, o álbum de 15 composições sustenta na manipulação frenética das batidas o completo domínio do produtor, interessado em adaptar o trabalho de diferentes artistas e produtores conterrâneos da época. Quem espera encontrar a mesma sonoridade versátil de outros trabalhos da série – caso de Four Tet e Erlend Øye – vai tropeçar em uma obra de composição mecânica, homogênea. Com mais de 60 minutos de duração, Bolland finaliza uma espécie de “set”, capaz de dialogar com os mesmos clubes espalhadas por diferentes espaços da Europa, escapando vez ou outra da fluidez robótica da música Techno para explorar conceitos típicos da Acid House – vide as releituras de Be Yourself e Syn Son, na segunda metade do disco. De forma natural, a base para toda a sequência de lançamentos do projeto até a busca por novos conceitos no final dos anos 1990.

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DJ-Kicks: Thievery Corporation
(1999, !K7)

Dois anos após o lançamento de Sounds from the Thievery Hi-Fi (1997), Rob Garza e Eric Hilton foram convidados pela !K7 Records para repetir as mesmas experiências musicais que definiram o registro de estreia do Thievery Corporation. Em um diálogo atento com as preferências da música eletrônica da época – Trip-Hop, Downtempo e World Music -, cada uma das 18 canções do álbum parece refletir a pluralidade de temas e conceitos típicos da dupla norte-americana. São passagens rápidas (e despojadas) pelos ritmos brasileiros (Fedime’s Flight, Beija Flor), arranjos extraídos da música indiana (Exploration), além, claro, da continua inserção de elementos do Dub, preferência que orienta todo o eixo final da obra – vide o excelente remix montado para Transmission Central, do coletivo Rockers Hi-Fi. Em uma sobreposição delicada de temas, ora dançante, ora reflexiva, Garza e Hilton antecipam uma série de temas que seriam melhor exploradas nos próximos trabalhos do Thievery Corporation, vide as canções de The Mirror Conspiracy (2000) e The Richest Man in Babylon (2002).

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DJ-Kicks: Tiga
(2002, !K7)

Tiga é um artista que nasceu e cresceu dentro de coletâneas de música eletrônica. Muito antes de lançar o primeiro álbum em de estúdio, foram as diferentes passagens em compilados canadenses que abriram as portas para o jovem artista, convidado a integrar a série DJ-Kicks em 2002. Em um exercício contínuo, são 25 faixas condensadas em 70 minutos duração, o esmero de Tiga reflete não apenas os interesses e preferências rítmicas do produtor na época, como ainda cria uma espécie de ponte para a sonoridade explorada nos anos 1970 e 1980. Entre composições autorais (Man Hrdina, Dying in Beauty) e remixes (She Male, Deceptacon), o artista monta um espaço criativo para que veteranos da música eletrônica – caso de Soft Cell – lentamente ocupem todo o trabalho, resultando em uma obra tão íntima do alvorecer da New Wave como das transformações nostálgicas que orientaram a música eletrônica começo dos anos 2000. Curiosamente, o mesmo aspecto de obra “ininterrupta” serviria de estímulo para o primeiro registro solo do produtor, Sexor (2006).

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DJ-Kicks: Erlend Øye
(2004, !K7)

Erlend Øye havia acabado de lançar o primeiro trabalho em carreira solo, Unrest (2003), quando foi convidado pela !K7 Records a integrar a série DJ-Kicks. Mais conhecido pelas composições lançadas com o parceiro Eirik Glambek Bøe, no Kings Of Convenience, o cantor e compositor norueguês encontrou no registro um espaço para criar. Entre remixes, edições rápidas e até mesmo versões – como There Is a Light That Never Goes Out, do grupo britânico The Smiths -, o destaque fica por conta da interferência direta da voz do artista. São trechos, sussurros ou até mesmo composições inteiras moldadas pelo vocal de Øye, tão íntimo do próprio universo de canções minimalistas, como capaz de antecipar uma série de conceitos que seriam melhor desenvolvidos com o projeto The Whitest Boy Alive. Phoenix (If I Ever Feel Better), The Rapture (I Need Your Love), Röyksopp (Poor Leno) e Ricardo Villalobos (Dexter); fragmentos que flutuam aos comandos de Øye, dono de um dos mais complexos e elogiados registros de todo o catálogo DJ-Kicks.

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DJ-Kicks: Annie
(2005, !K7)

Sintetizadores e vozes pueris. Melodias pop, dançantes e descomplicadas. Clássicos do rock, Hip-Hop e eletrônica extraídos de diferentes épocas, estilizados de forma sutil, em uma estrutura essencialmente pegajosa e radiofônica. Poucos artistas conseguiram transferir a própria identidade para dentro da série DJ-Kicks quanto a norueguesa Annie. Em uma seleção de músicas que atravessa as décadas de 1980, 1990 e começo dos anos 2000, cada composição lançada pela cantora/produtora assume a mesma temática plástica do álbum Anniemal, registro de estreia da artista e obra apresentada um ano antes. Não por acaso é possível encontrar faixas originalmente “obscuras”, como Jukebox Babe de Alan Vega (Suicide), em uma montagem radiante, quase “comercial”. Outro claro destaque são as canções produzidas especialmente para o disco, caso da eletrônica Wedding, e da experimental Gimme Your Money, composições que não apenas replicam conceitos do disco de 2004, como revelam parte da essência de Annie, inspirada pela eletrônica dos anos 1990.

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DJ-Kicks: Four Tet
(2006, !K7)

A música de Kieran Hebden sempre foi encarada como um rico mosaico de fórmulas musicais. Jazz, Krautrock, Ambient, Folk, R&B, World Music e Pop. Composições que atravessam mais de cinco décadas de referências sem necessariamente perder a essência musical do produtor britânico, sempre orientado pela eletrônica consolidada no começo dos anos 1990. Tamanho catálogo de influências e temas instrumentais cresce de forma ainda mais colorida durante toda a participação do produtor dentro da série DJ-Kicks. Brincando com a obra de artistas como Stereolab (Les Yper-Sound), Curtis Mayfield (If I Were Only a Child Again), Animal Collective (Baby Day) e Autechre (Flutter), Hebden, aqui protegido pelo nome de seu principal projeto, o Four Tet, finaliza uma obra marcada pela irregularidade, precisa sobreposição de ritmos e arranjos que passeiam por diferentes ambientes criativos. Mesmo Pockets, única composição inédita do trabalho, soa como um imenso agregado de estilos, prova da completa versatilidade de Hebden, atento na condução do acervo que movimenta toda a obra.

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DJ-Kicks: Hot Chip
(2007, !K7)

Quer entender melhor a essência musical do Hot Chip? Então saiba que não existe caminho mais fácil (e seguro) do que a passagem do coletivo pela série DJ-Kicks em 2007. Entregue ao público um ano após o lançamento da da obra-prima The Warning (2006), a coletânea, mais do que orientar a sequência de obras apresentadas pela banda, revela com naturalidade todo o catálogo de referências que funcionam como alicerce para o trabalho do grupo. Grovesnor (Notemoves), Black Devil Disco Club (On Just Foot), New Order (Bizarre Love Triangle), Ray Charles (Mess Around) e até mesmo o brasileiro Tom Zé (Cademar) são alguns dos artistas que surgem remodelados durante toda a construção da obra – um agregado de 24 composições. Verdadeiro quebra-cabeça de hits, o álbum pula do Hip-Hop para a Disco Music sem necessariamente perder o controle, como uma (des)ordenada colisão de ideias e referências, conceito explícito logo na capa do trabalho, uma colorida ilustração que liga o rosto de cada um dos integrantes da banda na época.

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DJ-Kicks: Gold Panda
(2011, !K7)

Em 2010, com o lançamento do álbum Lucky Shiner, o uso de temas orientais, caseiros e ruídos VHS parecia apontar a direção para as composições de Derwin Schlecker com o Gold Panda. Interessante perceber no trabalho do artista dentro da série DJ-Kicks um parcial distanciamento desse mesmo universo de referências. Concentrado no uso das batidas, o produtor britânico curiosamente resgata uma série de elementos típicos do projeto na década de 1990, incorporando desde elementos da música Techno (Palo Alto), até composições que resumem toda a transformação na eletrônica britânica no período em que a coletânea foi lançada (Godzilla). Salve exceções, caso de Back Home, Like You Mean It e The Turnover, grande parte do trabalho se concentra no uso de bases extensas, sempre hipnóticas. Músicas como Shake e Puerto Rican Girls, capazes de ultrapassar os oito minutos de duração, criando espaço e pequenas brechas para a inserção de interferências psicodélicas, ruídos e colagens experimentais, elementos típicos da obra de Schlecker.

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DJ-Kicks: John Talabot
(2013, !K7)

Imenso é o catálogo de melodias, colagens, remixes e adaptações exploradas na contribuição de John Talabot à série DJ-Kicks. Em um diálogo atento com a mesma sonoridade incorporada pelo artista no primeiro registro em estúdio, ƒIN (2012), cada uma das composições encaixadas durante os mais de 60 minutos de duração da obra se orienta de forma a revelar um ambiente mágico, como um cenário de formas curiosas e flutuantes, um universo a ser “desvendado” pelo ouvinte. Vozes trabalhadas como instrumentos, batidas e arranjos psicodélicos, samples extraídos de algum registro obscuro dos anos 1970. Sem necessariamente romper com a montagem “ininterrupta” do disco, cada uma das 27 canções lançadas por Talabot se organizam de forma a revelar um mundo inteiro de fragmentos cenas e essências lentamente sobrepostas. Como escapar da hipnótica sequência formada por Without You, Klinsmann e Eno? Como todo álbum de Talabot, um registro que exige ser apreciado de forma atenta.

 

DJ-Kicks: DJ Koze
(2015, !K7)

Lançado especialmente para celebrar os 20 anos da série DJ-Kicks, a coletânea que leva a assinatura de DJ Koze talvez seja a melhor síntese de todo o projeto desenvolvido pela !K7 Records. Seguindo a trilha do material lançado com o álbum Amygdala, em 2013, último trabalho em estúdio do produtor germânico, o registro colaborativo cresce e se espalha lentamente, como uma verdadeira colcha de retalhos musicais. Na primeira metade, um espaço reservado para o uso voz, exercício que se estende da inaugural I Haven’t Been Everywhere But It’s On My List, faixa que leva a assinatura do próprio produtor, e conceito que segue até o remix de Tears in the Typing Pool, uma remodelada versão do Broadcast. A partir de Come Get It (Tekstrumental) / Modern Family (Kosi Kos Mélange), os experimentos eletrônicos de Koze, tão íntimo da herança musical de cada artista selecionado para o trabalho, como capaz de ressuscitar um universo de elementos autorais, brincando da abertura ao fechamento do disco.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.