Entrevista: Marcelo Camelo

/ Por: Cleber Facchi 31/05/2013

Por: Cleber Facchi

Marcelo Camelo

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Com dois bem sucedidos discos em mãos – Sou (2008) e Toque Dela (2011) -, a relação de Marcelo Camelo com o Los Hermanos parece cada vez mais distante e natural. Ainda que a legião de fãs que acompanham o trabalho da banda sejam motivadas a exigir um possível retorno do quarteto – também composto por Rodrigo Amarante, Bruno Medina e Rodrigo Barba -, é na beleza do universo em carreira solo e na relação com Mallu Magalhães que reside o presente do músico. Revisitando aspectos recentes, futuros e até um pouco da herança acumulada em mais de dez anos de carreira, o cantor e compositor carioca lança Mormaço, segundo DVD em carreira solo e uma visão curiosa do que atualmente circunda suas próprias composições.

Dividido em duas partes, uma comercialmente tratada como Ao Vivo no Theatro São Pedro e outra, um documentário, intitulado como Dama da Noite, o projeto reforça a interação de Camelo com o violão e as imagens temperadas pelo toque caseiro. Acompanhado de Thomas Rohrer e da esposa nos palcos, enquanto a visão de Jack Coleman reflete a turnê de Toque Dela (ao lado da Hurtmold), o músico apresenta diferentes visões desse pequeno universo que vem construindo. É justamente sobre a presente fase que conversamos com Marcelo Camelo, discutindo um pouco do que alimenta o novo projeto e o que pode guiar a carreira do músico pelos próximos trabalhos.

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Como surgiu a relação com Jack Coleman e o convite para a direção do documentário? E por que o nome Dama da Noite?

Eu conheci o Jack através dos clipes do Growlers, a banda que eu convidei pra tocar comigo no Rock in Rio. Também conheci os filmes de surf dele na época. A ideia que eu tinha era a de fazer um filme mais simbólico, que abordasse os acontecimentos com um olhar mais lateral, mais poético, onírico. O nome Dama da Noite é também uma dessas metáforas que se dão ao longo do processo que cabe melhor onde as palavras não chegam. A dama da noite é uma planta que conheço desde sempre e não sabia que era um conhecimento de uma geografia específica. Mal se identifica pela aparência porque é muito normal, mas o cheiro é muito forte e sedutor, é mesmo o cheiro de planta mais impressionante que já senti. E está muito ligado à minha memória. Tem muitas coisas que balançam nossos sentidos mas que são corriqueiras e que se dão nos momentos em que estamos distraídos. Sinto que muitas coisas relevantes pra gente passam ao largo do nosso catálogo pessoal de afetos porque não registramos o que nos acontece quando estamos desatentos.

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No documentário (Dama da Noite) as imagens circulam por diferentes cenários e cidades, mas para a apresentação ao vivo você aportou em Porto Alegre. Existe um motivo específico para a escolha pelo Theatro Sao Pedro e não outro ponto das “locações” espalhadas pelo registro?

Foi mais circunstancial. Meu primeiro filme eu fiz na Bahia, então queria um lugar com motivos diferentes. Além isso, a produtora que filmou o show era de lá. Em parte foi pra facilitar nos custos, já que evitamos esse deslocamento e hospedagem da equipe toda. Em parte porque fazia mesmo sentido, por propor um contraponto ao filme feito em Salvador, e registrar esse gradiente de público que temos no Brasil. Quando o show do Sou passou por Porto Alegre eu consegui sentir uma disposição especial pra concertos contemplativos por parte da plateia. Isso também contou a favor.

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Marcelo Camelo

Quem acompanha seu trabalho e principalmente o que é postado nas redes sociais sabe da relação natural com as câmeras analógicas e a busca por uma identidade visual tingida pelo nostálgico. É possível encarar Mormaço como uma extensão dessa estética ou o que alimenta o documentário/show ao vivo serve como abertura para um novo cenário?

Acho que ambos. Ao mesmo tempo que é um ponto nessa busca por representação em imagem das intenções presentes na música, também apresenta suas incompletudes, os lugares onde não se consegue iluminar com esta abordagem. Por isso, o trabalho é o de constante reinvenção. Porque todas as abordagens deixam seus lapsos na tentativa de representação. Minha intenção, por exemplo, jamais foi ser nostálgico. Ainda estou aprendendo sobre isso e é uma linguagem que ainda sinto nova e cheia de possibilidades.

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Além do repertório mais amplo e do minimalismo sonoro, o que você apontaria como a grande diferença entre o resultado final de Mormaço e aquilo que foi conquistado há três anos, com o MTV Ao Vivo. Sinto que são trabalhos complementares. Há um reaproveitamento de ideias ou a estrutura que rege o novo trabalho é outra?

O show de voz e violão começou como quase um passatempo. A minha ideia era fazer algo diametralmente oposto aos shows do Los Hermanos nesse último reencontro. Eu vinha da turnê do Toque Dela e resolvi dar um tempo nela depois dos shows dos Hermanos. Como sempre tive essa vontade, resolvi montar o show enquanto pensava em como seria o próximo disco. A ideia não era que virasse uma turnê, um DVD, um CD. As circunstâncias foram levando a isso pelos pedidos, pela aceitação. A gente se contamina pela alegria dos outros.

Mas em relação ao primeiro DVD, acho que aprendi algumas coisas técnicas que fizeram muita diferença nesse registro. De captação de áudio, principalmente, as coisas que dizem respeito a mim mesmo, a interpretação e som de palco, jeito de cantar e tocar. O ambiente mais silencioso também traz outra abordagem. Ao mesmo tempo aquele primeiro é inteiro filmado em 16 mm, o que dá um charme só dele. Em tudo que faço eu acho que tem uma tentativa de rompimento e uma inevitável continuidade.

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[vimeo http://www.vimeo.com/65780753 w=580&h=326]

O público em Mormaço tem uma presença limitada, o que faz com que ele seja encarado muito mais como um plano de fundo sonoro do que visual em si. A partir disso pergunto: por que da escolha de um novo registro ao vivo e não um trabalho em estúdio ou apresentação fechada? Qual o papel do público dentro do novo trabalho?

Não via sentido em registrar esse repertório em estúdio, já que é um repertório quase inteiro de músicas já gravadas. Embora as versões sejam muito diferentes, achei, por algum motivo invisível pra mim agora, que faria mais sentido se fosse ao vivo. O público reflete na própria execução, modifica o que está sendo tocado pois coloca na mesa essa figura presencial e vultuosa do outro.

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Algum outro registro ao vivo ou mesmo documentário musical e filmes serviram como inspiração para a composição do novo trabalho? Quais obras do gênero te agradam?

Eu vejo muito filme, muito mesmo. Principalmente documentários e reportagens. Eu me influencio por muita coisa. Recentemente, assisti a um filme sobre Miroslav Tichy, chamado WorldStar, de uma mulher diretora que se chama Nataša von Kopp. Poucas vezes eu vi uma abordagem tão nobre, feminina, de um personagem tão grandioso. Foi como se estivesse vivo pela primeira vez. É mesmo um dos meus filmes preferidos desde sempre. Mas o assisti depois do Mormaço pronto, uma pena. Mas eu gosto muito da Cor da Romã, do Sergei Pajanarov, e acho que tem um pouco dele nas nossas intenções. E também do Step Across the Border, sobre o músico Fred Frith, esse também um baita filme. Só que influência eu acho que é aquilo que acontece quando a gente não está notando, muito mais do que as coisas que compõe claramente nosso leque de intenções. Acho que influência mesmo é aquilo que a gente vê pra se distrair dos momentos em que vemos as coisas buscando influências.

A forte manifestação de imagens saturadas (principalmente em Dama da Noite) seria um reflexo da quentura natural de Toque Dela ou uma possível abertura para um novo trabalho?

As cores saturadas acho que são uma alegoria, pra mim, das emoções fortes. Mas é um recurso linguístico que pode apontar pra várias traduções. Essa é a beleza do lance essa coisa de permitir as diferentes associações pessoais.

.Marcelo Camelo

Além de Porta de Cinema, Tatiana e Luzes da Cidade que outras “pistas” ou faixas inéditas estão espalhadas pelo trabalho? Depois de Mormaço o que os ouvintes de Marcelo Camelo podem esperar?

Essa trilha do Dama da Noite, e também da versão de Mormaço para a Internet que fizemos, recolhe arquivos perdidos no meu computador. Todas as músicas que estão ali fazem parte do passado mais recente. São músicas que não entraram nos álbuns por algum motivo ou que foram usadas em outras circunstâncias. Mas eu ficava sempre com a sensação de estar deixando de lado algumas das minhas criações por um motivo bobo, por um motivo que se associa ao jeito de organizar as peças do tabuleiro na indústria que está com os dias contados. Então resolvi limpar os meus arquivos, me livrar dessas composições que enquanto ficam presas na verdade retém o fluxo do inconsciente, impedindo as coisas novas de respirar e crescer. Não vejo esse conjunto de músicas compondo meu repertório do próximo disco. Ao contrário, publicá-las foi um jeito de me colocar livre pra seguir em outra e qualquer direção.

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Para a divulgação de Mormaço você lançou uma compilação de trechos do show e “sobras” do documentário em um material pensado para a internet. Já no Facebook é nítida a produção de conteúdos (principalmente imagens) para a página oficial de Marcelo Camelo. Você é o tipo de pessoa que passa horas na frente do computador, acompanha comentários do público ou mesmo circula por esse tipo de plataforma? Parece difícil de imaginar isso quando a proposta do seu trabalho parece cada vez mais imersa em um ambiente bucólico.

Acho que o contato das pessoas com a obra se dá muito na Internet hoje em dia. Ao contrário do que sempre aconteceu você consegue um diálogo muito rapidamente, mesmo que o lugar onde isso ocorra seja um lugar de opiniões levianas, um tipo de opinião que não representa com acuracidade a relação das pessoas com a obra – que, por sua vez, é uma coisa que se realiza com o passar do tempo.

Minha vontade de estar imerso no ambiente bucólico vem da constatação de que minha arte é fruto dos meus sentidos, fruto direto deles. E meus sentidos estão voltados para aquilo que está perto de mim, fisicamente ou em outros planos. Por isso esse aparente bucolismo nos meus temas. Não acho, no entanto, que isso deva ser traduzido como se o meu campo de atuação fosse esse. A casa e as coisas são só um ponto de partida.

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Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.