Especial: No interior de Joy Division

/ Por: Cleber Facchi 17/03/2011

This is the way, step inside!

Por: Stiven Souza

Joy Division é opressivo e, ao mesmo tempo, prazeroso e divertido. Essa é a afirmação implícita no nome da banda, que remete à divisão de garotas judias obrigadas a satisfazer sexualmente os soldados nazistas nos campos de concentração. A opressão consiste na temática existencialista das letras e na atmosfera sonora de grande parte das músicas. No entanto, influenciados pela sonoridade enérgica do punk rock, o grupo ainda consegue ser dançante, daí a parte da diversão.

Um exemplo desse paradoxo pode ser encontrado na angustiante Candidate, do primeiro disco, e por outro lado na Digital, uma das melodias mais alegres da banda. Contudo, em diversos momentos os britânicos do Joy Division concentram os dois aspectos na mesma canção, como é o caso de She’s Lost Control e Isolation, dançantes porém aflitas.

[youtube=http://www.youtube.com/watch?v=QVc29bYIvCM]

Mas o grupo, liderado pelo vocalista e compositor Ian Curtis, foi mais que uma banda. A preocupação dos membros do Joy Division, em especial a de Ian, excedeu os limites da seara musical. Atento do caráter estético ao filosófico, Joy Division se transformou numa obra fechada e coerente em si mesma, uma substância onde todos os elementos são consoantes; enfim, o breve e intenso projeto de vida de Ian Curtis. É aquela dualidade presente desde o nome do grupo o que orienta seu desenvolvimento artístico. E ela é figurativamente representada, em grande parte, pelo militarismo.

Já no EP An Ideal For Living (1978), a ilustração da capa mostra um rapaz da Juventude Hitlerista com um tambor, como se estivesse num desfile marcial. No “instituído” lado A (pois o lançamento original não possuía nenhuma distinção entre os lados, o que de fato não foi erro de prensagem), no lado A do segundo e último disco, Closer (1980), praticamente todas as faixas possuem ritmos de baterias militares. É curioso notar que, além do vestuário formal semelhante ao do jovem na capa de An Ideal For Living, a mítica dança de Ian Curtis se parece com uma marcha militar antes de enveredar para espasmos epiléticos. Por essas razões, a banda já foi equivocadamente taxada de fascista e nazista. Um julgamento obviamente superficial, sem capacidade de interpretar os símbolos por ela utilizados. O militarismo tornou-se a forma mais precisa de expressão unicamente por reunir temas basilares do Joy Division, isto é, a já comentada opressão, a violência e, sobretudo, a morte.

[youtube=http://www.youtube.com/watch?v=FzTw4PYfROU]

O som do quarteto produziu uma ruptura com os padrões musicais da época e até hoje influencia fortemente bandas alternativas. O baixo predominante na estrutura das músicas, os ruídos pausados das guitarras, a inserção de elementos sintéticos na textura sonora e a voz singular de baixo-barítono inovaram tanto que abriram as portas para o que viria ser tendência nos anos 80. Os britânicos serviram de base para a consolidação do post-punk, o surgimento do gothic rock, do industrial e mesmo da música minimalista. Sem destoar do projeto estético, a sonoridade do Joy Division possui um caráter cruel e melancólico. Entretanto, as canções não caem em lamentos escandalosos partidos dos tradicionais acordes menores. Ao contrário, elas são extremamente introspectivas. Não existem esperanças em sua melancolia, nem indignação na crueldade. Elas não possuem pompa ou ostentação, estão esvaziadas de dramas e resignadas, tanto que se manifestam na ausência de acordes, em notas brutas espalhadas aparentemente de modo aleatório durante três ou quatro minutos. Certa vez, Marcelo Backes escreveu que Franz Kafka foi o escritor do lusco-fusco ao analisar sua obra, composta por não mais que 300 palavras, mas ainda assim profunda. Na música, é Joy Division que assume essa postura, munindo-se da simplicidade do punk mas indo aos confins da alma humana.

[youtube=http://www.youtube.com/watch?v=flVEoNuEYgE]

A propósito, a literatura é outro fator determinante na obra de Ian Curtis. As referências a escritores perpassam o trabalho da banda. Já no nome, a história das judias destinadas a servir sexualmente os soldados nazistas foi retirada do livro The House of Dolls, Ka-tzetnik, ao qual a canção No Love Lost faz menção. Ian era um consumidor assíduo de literatura. Acompanhado do baterista Steven Morris, ele visitava frequentemente os sebos de Manchester, a procura de nomes como Burroughs e Dostoiévski. Várias canções do grupo fazem referência direta a títulos de livros, como Dead Souls, Atrocity Exhibition e Colony. Outras mantém a citação nas entrelinhas, por exemplo a faixa Interzone, que se refere a uma região fictícia do romance Naked Lunch, de William S. Burroughs.

Sendo a banda uma obra completa e coerente em si mesma, os temas dessa literatura não poderiam ser outros se não aqueles que estimularam a construção sonora e estética. A parte literária e filosófica reforça o pressuposto de que em Joy Division a vida é opressão, e os prazeres são desconhecidos. O romance Almas Mortas (Dead Souls em inglês), de Gogol, aborda a temática da escravidão humana na Rússia do século XIX. A quarta faixa do LP Closer (1980), Colony, foi inspirada na obra de Franz Kafka, Na Colônia Penal. O livro, tal qual a música, tematiza a vida de condenados à prisão por motivos absurdos. Esses são só alguns dos indícios que ajudam a decifrar o conceito da banda.

[youtube=http://www.youtube.com/watch?v=qHYOXyy1ToI]

A partir disso, fica claro que Joy Division é uma obra genuinamente existencialista, de modo que o grande plano de fundo de seus temas é a morte. Direta ou indiretamente, a morte está presente em grande parte dos poemas de Ian Curtis. É ela, na verdade, quem coloca a existência humana nessas condições deploráveis de escravidão, violência e incompreensão. Em ambos os álbuns, a morte estampa a capa. Em Unknown Pleasures (1979), é a imagem de uma estrela em extinção captada por ondas de rádio que ilustra o LP. Já em Closer (1980), a fotografia de uma tumba esculpida por Demetrio Paernio anuncia o que vem a ser o disco, a banda e, inseparavelmente, a vida de Ian Curtis. Esse é Joy Division; um fenômeno efêmero mas profundo, que num dia se manifesta para fazer as saudações e no outro para dizer que o fim está muito próximo e dizer adeus. Essa é a vida.

Stiven Souza já colaborou com o Miojo Indie escrevendo sobre a banda Violins, além de ser dono de um blog com suas próprias ilustrações.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.