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Crítica

Afrocidade

: "Vivão"

Ano: 2022

Selo: Isé

Gênero: Pop, MPB, Rap

Para quem gosta de: BaianSystem e ÀTTØØXXÁ

Ouça: Lua Branca e Toma

7.6
7.6

Afrocidade: “Vivão”

Ano: 2022

Selo: Isé

Gênero: Pop, MPB, Rap

Para quem gosta de: BaianSystem e ÀTTØØXXÁ

Ouça: Lua Branca e Toma

/ Por: Cleber Facchi 03/02/2022

Não se deixe enganar pela colorida mistura de ritmos e fina tapeçaria instrumental que embala com leveza o primeiro álbum de estúdio do coletivo baiano Afrocidade, Vivão (2022, Isé). Por trás de cada uma das dez faixas que servem de sustento ao registro, sobrevive um vasto repertório marcado pelo forte discurso político, debates raciais e reflexões sobre a diáspora africana. Um precioso cruzamento de informações que atravessa o Atlântico e evoca ritmos ancestrais, porém, dentro de uma linguagem totalmente atualizada, pop, estrutura que orienta com naturalidade a experiência do ouvinte até a derradeira Topo do Mundo.

Parte desse resultado vem do lento processo de formação do coletivo encabeçado pelo percussionista e arte-educador Eric Mazzone. Foram mais de dez anos de preparação até que o grupo, hoje formado por José Macedo (voz), Fernanda Maia (voz e percussão), Rafael Lima (percussão), Marley Lima (baixo), Sulivan Nunes (teclado), Fal Silva (Guitarra) e a dupla de bailarinos Ghuto Cabral e Deivite Marcel, alcançasse o resultado explícito em Vivão. São canções que transitam por entre ritmos e referências de forma sempre curiosa, como um avanço em relação ao material entregue no ainda recente Afrocidade na Pista (2021).

E isso fica bastante evidente logo na sequência de abertura do trabalho, na dobradinha composta por Direto de Camaçacity e Toma. Em um intervalo de poucos minutos, o coletivo baiano passeia com sobriedade por entre pautas raciais, medos e conflitos típicos do cotidiano, porém, sempre de maneira esperançosa, apontando a direção seguida durante toda a execução do material. “Sangue no olho pra existir / Nunca desacreditar / Não deixe sucumbir / Não deixe apagar“, cresce a letra que se entrelaça em meio a batidas quentes e guitarras que vão do pagodão baiano ao reggae de forma sempre imprevisível.

Dentro desse território marcado pelas possibilidades, cada composição se transforma em um objeto de destaque nas mãos de Mazzone e seus parceiros de banda. São incontáveis camadas instrumentais, batidas e vozes que mudam de direção a todo instante, como se parte expressiva do registro fosse montado a partir da permanente sobreposição dos elementos. Claro que isso não interfere na produção de faixas deliciosamente contidas, por vezes intimistas. É o caso de 304, música que tende ao R&B, porém, marcada pelo mesmo refinamento estético e detalhes que acabam se refletindo durante toda a execução da obra.

Mais do que um exercício particular do coletivo baiano, Vivão, assim como o material apresentado em Afrocidade Na Pista, serve para estreitar a relação do grupo com diferentes colaboradores. É o caso de Nildes Bonfim, na curtinha Canoeiro, música que funciona como um componente de divisão do registro e ainda abre passagem para o que talvez seja a principal composição do trabalho, Lua Branca. Completa pela participação de Luedji Luna, a faixa preserva a temática racial e aprofundamento histórico que serve de sustento ao disco, porém, alcança um refinamento melódico e poético ainda mais interessante.

Embora bem resolvido estruturalmente e capaz de capturar a atenção do ouvinte logo em uma primeira audição, não há como ignorar que muitos dos elementos apresentados em Vivão parecem reciclados de outros trabalhos ainda recentes, principalmente quando voltamos os ouvidos para a obra de conterrâneos como ÀTTØØXXÁ e BaianaSystem, de onde veio o co-produtor do álbum, Mahal Pita. Da construção dos arranjos ao tratamento dado aos versos e temáticas, tudo se molda de forma excessivamente similar. Um misto de reverência e reinterpretação, proposta que naturalmente que peca pela completa ausência de surpresa, mas que em nenhum momento diminui a força da obra e evidente entrega do coletivo.

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Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.