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Crítica

Alaíde Costa

: "O Que Meus Calos Dizem Sobre Mim"

Ano: 2022

Selo: Samba Rock

Gênero: Samba, MPB, Jazz

Para quem gosta de: Claudette Soares e Joyce

Ouça: Turmalina Negra e Tristonho

8.0
8.0

Alaíde Costa: “O Que Meus Calos Dizem Sobre Mim”

Ano: 2022

Selo: Samba Rock

Gênero: Samba, MPB, Jazz

Para quem gosta de: Claudette Soares e Joyce

Ouça: Turmalina Negra e Tristonho

/ Por: Cleber Facchi 06/06/2022

Obra de sentimentos calcificados e memórias assentadas como sedimentos, O Que Meus Calos Dizem Sobre Mim (2022, Samba Rock) contrasta a dureza dos temas com a maciez dada aos arranjos e vozes. Mais recente trabalho da cantora e compositora Alaíde Costa, de 86 anos, o registro que conta com produção dividida entre Emicida e Marcus Preto captura a atenção do ouvinte logo nos primeiros minutos, em Turmalina Negra, criação de Céu e Diogo Poças. São versos consumidos pelo peso da passagem do tempo e recordações empoeiradas, como um acumulo de tudo aquilo que a artista carioca experienciou em mais de seis décadas de carreira. “E eu serei quem sou / Pedra tão rara / Gema mineral / Segura, intacta / Ao assistir o vendaval das movimentações“, detalha em meio a orquestrações sublimes, sempre reducionistas.

Uma vez imersa nesse cenário onde passado e presente se confundem a todo instante, Alaíde, sempre acompanhada pela direção musical de Pupillo Oliveira (Nação Zumbi, Gal Costa), se divide entre o olhar saudosista e a necessidade de seguir em frente. “Eu tentei explicar meu destino / De sempre fugir / Fui viver / Fui saber / O que o mundo queria de mim“, confessa na delicada Nenhuma Ilusão, samba-canção que funciona como uma síntese poética de tudo aquilo que a artista busca desenvolver ao longo da obra. É como um delicado exercício de exposição sentimental. Um misto de dor, resgate e busca por reconciliação.

Nada que impossibilite a construção de faixas consumidas em essência pela melancolia dos temas. “Até zombou de mim / E do meu amor / Agora vem você dizer / Que ainda quer“, canta em Tristonho, música composta em parceria com Nando Reis e um dos momentos mais delicados da obra. A própria base instrumental da canção, adornada pelo uso sorumbático de sopros e movimentos sempre calculados dos arranjos, parece pensada para potencializar a voz e sentimentos expressos pela artista carioca. Frações poéticas que se revelam ao público em pequenas doses, reforçando a evidente dramaticidade do material.

Nesse sentido, quem for com sede ao pote talvez acabe se decepcionando com o material entregue ao longo da obra. Como indicado logo nos minutos iniciais, em Turmalina Negra, O Que Meus Calos Dizem Sobre Mim é um trabalho dotado de ritmo próprio. Perceba como incontáveis camadas instrumentais se escondem por entre as brechas do disco. São orquestrações sublimes, sopros e batidas encaixadas em uma medida própria de tempo. Instantes em que a artista vai do lento desvendar das informações, como em Berceuse, ao acumulo dos elementos, marca de Pessoa-Ilha, inusitada criação de Emicida e Ivan Lins.

Sobrevive justamente nessas combinações inesperadas, marca dos registros que contam com direção artística de Marcus Preto, o estímulo para algumas das principais composições do disco. É o caso de Praga, colaboração entre Erasmo Carlos e Tim Bernardes que faz lembrar do romantismo agridoce explícito em Buraco da Consolação, parte do último álbum de inéditas de Jards Macalé, Besta Fera (2019). Mesmo a já conhecida Aos Meus Pés, composta em parceria entre João Bosco e Francisco Bosco, e lançada como parte da trilha sonora da novela A Lei do Amor (2016), ganha novo significado dentro do contexto do trabalho.

Feito para ser revisitado, O Que Meus Calos Dizem Sobre Mim é um registro que começa pequeno, avança lentamente e ganha novas tonalidades a cada audição. A própria música de encerramento do disco, Aurorear, funciona como um convite a repetir as experiências propostas pela artista ao longo da obra. “Sempre é momento / De analisar o tempo / De preparar o chão / De semear“, canta. Mesmo que o ritmo dado ao trabalho custe a impressionar o ouvinte mais apressado, sobrevive no refinamento dado aos arranjos e potência dos sentimentos expressos dentro de cada canção uma força avassaladora. Canções que evidenciam a sensação de entrega e domínio de Alaíde durante toda a execução do material.

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Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.