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Crítica

Ianaê Régia

: "Afroglow"

Ano: 2023

Selo: Ternário Records

Gênero: R&B, Neo-Soul

Para quem gosta de: Xênia França e Karen Francis

Ouça: Umbigo, Diss e Rotina

7.8
7.8

Ianaê Régia: “Afroglow”

Ano: 2023

Selo: Ternário Records

Gênero: R&B, Neo-Soul

Para quem gosta de: Xênia França e Karen Francis

Ouça: Umbigo, Diss e Rotina

/ Por: Cleber Facchi 04/10/2023

Embora enxuto, o curto repertório de Afroglow (2023, Ternário Records), primeiro trabalho de estúdio da cantora e compositora gaúcha Ianaê Régia, compensa na força dos sentimentos incorporados dentro de cada canção. São sete faixas em que a artista nascida no interior do Rio Grande do Sul e hoje residente na capital Porto Alegre se aventura na construção de composições que escancaram a vulnerabilidade dos versos e mergulham em questões raciais. Um delicado exercício criativo que parte das vivências e dores da própria musicista para estreitar laços com o ouvinte em uma obra que vai do recolhimento à celebração.

Inaugurado pela minuciosa Umbigo, o trabalho que tem produção caprichada de Bianca Rhoden se revela aos poucos, detalhando uma combinação entre guitarras e batidas cuidadosamente calculadas. É como um pano de fundo instrumental que prepara o terreno para as vozes da artista gaúcha, sempre em primeiro plano. “Eu tenho ouvidos e você também / Tem gente que parece que não tem / Quem tem umbigo tem do que cuidar / Deixa o meu pra lá“, canta em uma provocativa observação sobre a necessidade sufocante que as pessoas têm de controlar a vida alheia, destacando a poesia afiada que orienta a formação do registro.

Esse mesmo direcionamento contestador fica ainda mais evidente com a chegada do que talvez seja uma das principais canções do disco, Diss. Seguindo a trilha de outras criações do gênero, porém, dotada de um escopo ainda mais amplo, mirando em diferentes alvos, a faixa celebra a herança racial e as conquistas da cantora na mesma medida em que trata sobre usurpação estética das elites brancas. “Já quiseram minha história pausada / Mas as tentativas não decretaram meu fim / Pois, meu bem, eu sou blindada pela maciez da minha toca de cetim“, segue em um misto de canto e rima, destacando a versatilidade e força de Ianaê.

Claro que essa firmeza na composição das letras vem sempre acompanhada por momentos de maior fragilidade emocional, indicando diferentes camadas e as múltiplas vozes que habitam no interior de Ianaê. Em Rotina, por exemplo, logo nos minutos iniciais do trabalho, a artista gaúcha se aprofunda em reflexões sobre saúde mental e a falsa realidade proposta pelas redes sociais. Já em Ponto Sensível, é a temática da afetividade negra que serve de sustento aos versos, transportando o disco para um novo território criativo. É como um preparativo para o que se revela de forma ainda mais sensível na crescente Lina e o Oceano.

Verdadeiro mergulho na mente e nas inquietações da artista gaúcha, a faixa trata sobre a necessidade de seguir em frente e as diferentes máscaras sociais que criamos para resistir ao inevitável peso da opressão diária. “Me perguntam como o é ser leve desse jeito com os outros / Mas esqueceram que todo o peso fica comigo“, canta em meio a pianos cuidadosamente encaixados, destacando a forte carga emocional que serve de sustento aos versos. São frações poéticas que tratam da composição como uma síntese conceitual tudo aquilo que a cantora busca desenvolver criativamente do princípio ao fim do trabalho, em Colore.

Tamanha sensibilidade e esforço em transitar por entre diferentes temáticas faz de Afroglow um precioso exercício de apresentação da artista. Mesmo que muitas das composições que abastecem o disco pareçam ancoradas em questões há muito incorporadas por diferentes nomes da cena brasileira, vide os recentes trabalhos de Xênia França, Tássia Reis e Luedji Luna, notável é o esforço da cantora em imprimir a própria identidade dentro de cada canção. O resultado desse processo está na entrega de uma obra consumida pela melancolia dos versos, mas que em nenhum momento diminui o brilho e força criativa de Ianaê.

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Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.