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Crítica

Sault

: "Earth"

Ano: 2022

Selo: Forever Living Originals

Gênero: Neo-Soul, R&B

Para quem gosta de: Ezra Collective e Cleo Sol

Ouça: God Is In Control e The Lords With Me

7.8
7.8

Sault: “Earth”

Ano: 2022

Selo: Forever Living Originals

Gênero: Neo-Soul, R&B

Para quem gosta de: Ezra Collective e Cleo Sol

Ouça: God Is In Control e The Lords With Me

/ Por: Cleber Facchi 21/12/2022

O coro de vozes que invade os minutos iniciais de Earth (2022, Forever Living Originals), um dos quatro registros lançados simultaneamente pelo Sault, funciona como uma delicada representação do caráter contemplativo adotado pelo coletivo britânico. Diferente de outros trabalhos apresentados pelo grupo nos últimos meses, incluindo Air (2022) e o disco irmão 11 (2022), o álbum de nove faixas chama a atenção pelo direcionamento ritualístico e propositado distanciamento do repertório incorporado pela banda. É como um espaço reservado ao permanente desvendar das informações e uso de estruturas pouco usuais.

Não por acaso, passado o lançamento da introdutória Spirit Cell, o coletivo comandado pelo produtor e multi-instrumentista Inflo (Adele, Little Simz) testa os limites da própria obra em The Lord’s With Me. São pouco mais de oito minutos em que vozes em coro se espalham em meio detalhes percussivos, efeitos e uma linha de baixo sempre presente. São décadas de música e cultura negra dissolvidas dentro de um vasto exercício criativo, como uma extensão do material entregue em Untitled (Rise) (2020) e Untitled (Black Is) (2020), duas representações do que há de mais característico no som produzido pelo grupo.

Ruptura sutil em relação ao restante da obra, Valley of the Ocean, vinda logo em sequência, preserva o refinamento estético do coletivo inglês, porém, estreita laços com a música negra em sua fase mais recente. É como se o grupo fosse de encontro ao mesmo território criativo de Lianne La Havas e outros nomes importantes da cena britânica. Nada que desvirtue totalmente o tratamento dado ao disco, vide o regresso com God Is In Control, música que chama a atenção pela percussão abrasileirada e versos cantados em português – “Você só precisa de amor / Precisa de oração / Precisa de fé / Deus tá no controle sempre“.

Essa mesma relação com a música brasileira volta a se repetir na canção seguinte, Power, preciosidade marcada pela percussão que vai dos terreiros às escolas de samba e ainda finaliza em um inusitado diálogo com os ritmos da cultura japonesa. Pouco mais de dois minutos em que o grupo vai de um canto a outro sem necessariamente perder a consistência da própria obra. E isso fica bastante evidente com a desaceleração proposta em Stronger, um soul quase religioso, íntimo das criações de Aretha Franklin no início dos anos 1970. Nada que prepare o ouvinte para o som incorporado minutos à frente, em Fields.

Marcada pelo reducionismo dos elementos, a canção de essência psicodélica aponta para as criações de artistas como Sly and the Family Stone, porém, preserva muito da identidade do coletivo britânico. A diferença está na forma como tudo é fatiado e organizado em pequenos blocos, destacando o uso das vozes, guitarras e elementos percussivos. E por falar em percussão, mais uma vez ela volta a brilhar em Soul Inside My Beautiful Imagination. De essência documental, a música composta em parceria com o multi-artista ganês Nii Tagoe vai de encontro ao continente africano, ampliando os domínios da banda.

Passada essa intensa combinação de ritmos, vozes em coro e formas instrumentais, Warrior traz de volta uma série de elementos bastante característicos do coletivo inglês. Da linha de baixo labiríntica, passando pela inserção dos vocais e uso calculado da bateria, difícil não pensar na canção como um ponto de conexão entre os antigos e futuros trabalhos do grupo. Dessa forma, Inflo e seus parceiros se permitem transitar por entre estilos e dialogar com diferentes colaboradores na mesma medida em que tudo parte do mesmo direcionamento criativo que tem sido explorado desde os primeiros registros do Sault em estúdio.

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Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.