Image

Ano: 2024

Selo: Secretly Canadian

Gênero: R&B

Para quem gosta de: Moses Sumney e Yves Tumor

Ouça: Safe Word e Damn Gloves

7.3
7.3

serpentwithfeet: “Grip”

Ano: 2024

Selo: Secretly Canadian

Gênero: R&B

Para quem gosta de: Moses Sumney e Yves Tumor

Ouça: Safe Word e Damn Gloves

/ Por: Cleber Facchi 04/03/2024

Em um intervalo de dez anos, Josiah Wise passou por um intenso processo de simplificação da própria obra como serpentwithfeet. Se em início de carreira, quando lançou trabalhos como Blisters (2016), o cantor e compositor norte-americano parecia investir na formação de um repertório marcado pelo forte aspecto contemplativo e uso de elementos que apontavam diretamente para Björk e ANOHNI, duas de suas principais referências criativas, com o continuo avanço do tempo, o artista original de Baltimore, Maryland, mergulhou de cabeça na construção de material cada vez mais acessível e intimamente conectado ao pop.

Terceiro e mais recente trabalho de estúdio de serpentwithfeet, Grip (2024, Secretly Canadian) talvez seja o disco que melhor evidencia esse esforço do artista em provar de uma sonoridade cada vez mais acessível e comercialmente pensada para dialogar com uma parcela ainda maior do público. Com os dois pés no R&B contemporâneo, o álbum segue de onde Wise parou há três anos, durante o lançamento de Deacon (2021), porém, partindo de uma abordagem livre de qualquer traço de hermetismo. A própria música de abertura, Damn Gloves, uma parceria com o rapper Ty Dolla $ign e o cantor Yanga YaYa, torna isso bastante explícito.

Na contramão do introdutório Soil (2018), com suas composições puramente atmosféricas e momentos de maior experimentação, Wise se aventura na construção de músicas cada vez mais imediatas e curtas. São criações que se resolvem em um intervalo de dois minutos, destacando a sobreposição das batidas e vozes sempre carregadas de efeitos. Exemplo disso pode ser percebido com a chegada de Deep End, canção que parte da produção meticulosa de ILikeThat, Erick Bardales e Mike Irish para destacar o intenso aspecto sentimental que tematicamente embala a formatação dos versos durante toda a execução do trabalho.

A diferença em relação a outras obras do gênero, quase sempre ancoradas em conflitos emocionais, dores e experiências conflituosas voltadas a um modelo de relacionamento heteronormativo, está na forma como o cantor perverte esse resultado em prol de um repertório marcado pela temática homoafetiva. A própria imagem de capa funciona como uma boa representação desse resultado, porém, sobrevive nos versos a grande força do trabalho de serpentwithfeet. Composições que utilizam de uma abordagem talvez inocente em uma primeira audição, porém, deliciosamente marcadas pela dubiedade poética e sutil provocação.

Perfeita representação desse resultado pode ser percebida em Safe Word, faixa em que utiliza de uma série de conceitos voltados ao universo do sadomasoquismo, porém, dentro da lógica romântica de uma típica canção de R&B. “A palavra segura sou eu“, canta Wise. O mesmo pode ser percebido na já citada Deep End, com sua poesia sugestiva, e outros momentos em que o compositor amplia tudo aquilo que foi apresentado durante o lançamento do registro anterior. É como se serpentwithfeet partisse do mesmo universo criativo de nomes de peso do gênero, como The Weeknd, porém, utilizando de regras próprias, sempre pervertidas.

Por conta dessa forte ambiguidade na construção dos versos, Grip é um material que naturalmente exige um regresso a fim de ser absorvido em totalidade, porém, o próprio registro parece incapaz de convencer o ouvinte disso. Da mesma forma que no trabalho anterior, Wise se perde em meio a estruturas bastante similares e musicalmente pobres, reservando aos encontros com convidados como Orion Sun, em Ellipsis, e o rapper Mick Jenkins, na ótima Black Air Force, alguns dos raros momentos de maior transformação. Um exercício criativo de riqueza poética incontestável, porém, prejudicada pelo acabamento pouco primoroso.

Ouça também:

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.