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Crítica

Sons of Kemet

: "Black To The Future"

Ano: 2021

Selo: Impulse!

Gênero: Jazz

Para quem gosta de: Nubya Garcia e Kokoroko

Ouça: Pick Up Your Burning Cross e Hustle

7.8
7.8

Sons of Kemet: “Black To The Future”

Ano: 2021

Selo: Impulse!

Gênero: Jazz

Para quem gosta de: Nubya Garcia e Kokoroko

Ouça: Pick Up Your Burning Cross e Hustle

/ Por: Cleber Facchi 28/05/2021

Black to the Future (2021, Impulse!), como tudo aquilo que os integrantes do Sons of Kemet têm produzido, nasce como uma celebração à negritude. Da construção dos arranjos ao uso calculado das vozes, evidente é o esforço dos músicos Shabaka Hutchings, Tom Skinner, Theon Cross e Eddie Hick em não apenas resgatar, como utilizar de elementos da cultura africana para a formação da própria identidade. São canções que transitam por entre gêneros, confessam referências e estreitam relações com diferentes colaboradores, tratamento bastante evidente na abordagem temática que embala o álbum anterior, Your Queen Is a Reptile (2018), centrado em nove personagens femininas negras, como Angela Davis e Harriet Tubman, mas que ganha novo resultado no presente disco.

Com produção dividida entre Hutchings e o experiente Dill Harris (King Krule, Róisín Murphy), o trabalho que conta com lançamento pela Impulse! Records, por onde passaram nomes como John Coltrane e Ray Charles, se divide estruturalmente em dois blocos bastante específicos de composições. O primeiro, inaugurado pela poesia de Joshua Idehen, logo na introdutória Field Negus, diz respeito ao repertório colaborativo e urgente que movimenta toda a porção inaugural do disco. São canções que preservam a essência dos antigos trabalhos da banda, com suas variações rítmicas e sopros, porém, moldadas de forma a dialogar com uma parcela ainda maior do público, vide a urgência que move Hustle, já conhecida parceria com Kojey Radical e vozes de Lianne La Havas.

Claro que isso não interfere na produção de músicas deliciosamente turbulentas e marcadas pelas possibilidades. É o caso da colaborativa Pick Up Your Burning Cross. São pouco menos de quatro minutos em que o quarteto londrino abre espaço para a interferência direta da clarinetista norte-americana Angel Bat Dawid, artista que, junto da poetisa Moor Mother, parece romper com qualquer traço de conforto dentro da composição. Essa mesma combinação de ritmos e doce euforia acaba se refletindo em For the Culture, parceria com D Double E que passeia por entre elementos da cultura caribenha, porém, sempre regressando ao jazz, proposta que muito se assemelha ao material entregue em Source (2020), de Nubya Garcia, outro importantes exemplar da novíssima cena inglesa.

Com a chegada de In Remembrance of Those Fallen, com seus sopros delirantes, tem início a porção seguinte do trabalho. Diferente do bloco inicial, Hutchings e seus parceiros se permite experimentar com maior naturalidade, mergulhando na construção de músicas cada vez extensas e pontuadas por momentos de maior improviso. E isso fica bastante evidente em Let the Circle Be Unbroken, canção de essência abrasiva onde cada mínimo componente é potencializado pelo grupo. Da versatilidade impressa na percussão aos sopros, tudo parece pensado para capturar a atenção do ouvinte. Mesmo a curtinha Black, faixa de encerramento do disco e outra colaboração com Joshua Idehen, mantém firme o mesmo caráter inventivo, colidindo ideias e melodias tortas de forma sempre inventiva.

O problema é que nem todas essas composições mantém firme a mesma fluidez e provocação presente no restante da obra. E isso fica bastante evidente na extensa Envision Yourself Levitating. São pouco mais de oito minutos em que o quarteto entrega uma faixa pontuada por bons momentos, mas que pouco evolui, dando voltas em torno de uma base instrumental que parece melhor resolvida em Think of Home e To Never Forget the Source. A própria Throughout the Madness, Stay Strong, mesmo dotada de uma base rítmica que dialoga com a porção inicial do disco, mais parece uma reciclagem de ideias. Do uso dos instrumentos de sopro à construção das batidas, difícil não pensar na canção como uma sobra do material entregue durante o lançamento de Your Queen Is a Reptile.

Interessante notar que mesmo pontuado por momentos de maior instabilidade, Black To The Future em nenhum momento perde o refinamento que orienta as criações do grupo britânico desde os primeiros registros autorais. São incontáveis camadas instrumentais que passeiam por diferentes campos da música de forma sempre cuidadosa. Instantes em que o quarteto inglês vai de encontro ao continente africano à cena londrina, utiliza de abordagens latinas e elementos que vão do hip-hop a reggae sem necessariamente fazer disso o estímulo para uma obra confusa. Um colorido catálogo de ideias que ganha ainda mais força no sempre necessário discurso racial que cresce em momentos estratégicos do trabalho, porém, cobre de forma temática toda a superfície do registro.

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Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.