A noite dos sonhos do The Radio Dept.

/ Por: Cleber Facchi 10/07/2012

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Poucas vezes o rótulo de “pop dos sonhos” (ou Dream Pop em inglês) fez tanto sentido para definir o trabalho de uma banda quanto na apresentação do trio sueco The Radio Dept. na noite de sexta (6). Expressão elaborada em meados da década de 1980 para definir o pós-punk etéreo de grupos como A.R. Kane, Cocteau Twins e Galaxie 500, a mistura de guitarras distorcidas com vocais enevoados parece definir cada instante da obra conduzida por Johan Duncanson (vocal e guitarra) e os parceiros Martin Larsson (guitarra) e Daniel Tjäder (bateria e teclados). Figuras que flutuam em um mundo de formas sonoras delicadas, exaltações típicas de um universo onírico e que parece se formar em nossas mentes durante uma extensa noite de sono.

E de fato o que tínhamos ali parecia ser o mais singelo retrato de um daqueles longos e épicos sonhos que nos carregam durante toda a noite. Fragmentos noturnos que misturam personagens, locais, sons, vozes, situações e uma infinidade de outros elementos que mantém o ouvinte em pleno estado de flutuação. Do gelo seco em excesso que praticamente ocultava os três integrantes ao som leve que derretia das guitarras brilhantemente planejadas, tudo parecia contribuir para a construção de um universo quase mágico, um mundo de histórias, versos românticos e propostas intimistas que se estendem de um horizonte a outro desse encantador plano onírico.

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Com uma instrumentação diminuta – apenas duas guitarras e um computador ditando os samples e batidas -, a banda tratou de completar qualquer possível lacuna com uma soma de distorções suaves e solos detalhados. Dessa forma, Ducanson e Larsson transformaram suas guitarras nas duas principais engrenagens que definiram todo o espetáculo. Ferramenta que ora puxavam o ouvinte para um plano doloroso e que se completava com os versos sorumbáticos, ora para um plano instrumental onde apenas a sutileza das formas sonoras dava conta de cobrir qualquer possível lacuna da performance.

Embora com um repertório trabalhado em mais de 15 anos de carreira, parte das canções que conduziram a apresentação durante toda a noite vieram em bom número do último registro em estúdio do trio, Clinging To A Scheme, de 2010. Melhor e mais completo trabalho da banda (até agora), é do álbum que chega toda a soma de cruzamentos coesos entre a eletrônica e as guitarras levemente maquiadas por distorção. A medida parece arrastar o espectador para um plano ainda mais etéreo e mágico, abrindo espaço para que o público timidamente se relacionasse com a apresentação, deixando que os vocais falassem mais alto. Até a excelente apresentação de abertura do grupo gaúcho Lautmusik minutos antes parecia se relacionar diretamente com a temática suave da tríade sueca.

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A proposta, entretanto, aos poucos começou a pesar e ruir. Não pela banda em si, mas por parte do público que lá estava. Seja pela conversa em excesso de quem estava ali sem conhecer ao menos uma única música do grupo, ou a imensa fila que se formava para que as pessoas pudessem recarregar seus cartões de consumação – para beber era preciso antes enfrentar uma fila para “calibrar” o cartão/comanda -, aos poucos foi como se o mundo de sonhos projetados pela banda começasse a desmoronar.

Com exceção do seleto grupo de fãs que se posicionavam na frente do palco e estabeleciam uma espécie de cinturão em torno dos músicos, o restante do público parecia muito mais interessado em conversar e completar o cartão de consumação do que apreciar o show em si. As pequenas adversidades – que ainda incluem o som demasiado baixo na abertura do espetáculo -, não influíram na boa recepção do público fiel e que foi responsável pela vinda da banda ao Brasil. Espectadores que saíram do espetáculo confusos, afinal, estariam eles de volta à realidade, ou ainda imersos no doce plano etéreo projetado pela banda?

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.