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Crítica

Bonifrate

: "Corisco"

Ano: 2021

Selo: OAR

Gênero: Rock Psicodélico

Para quem gosta de: Cidadão Instigado e Boogarins

Ouça: Casiopeia e Cara de Pano

8.5
8.5

Bonifrate: “Corisco”

Ano: 2021

Selo: OAR

Gênero: Rock Psicodélico

Para quem gosta de: Cidadão Instigado e Boogarins

Ouça: Casiopeia e Cara de Pano

/ Por: Cleber Facchi 19/07/2021

No isolamento de um estúdio montado na própria casa, a passagem para um território mágico. Dois anos após o lançamento de Mundo Encoberto (2019), trabalho em que decidiu explorar fragmentos do poema Miscelânia, do trovador português Garcia de Resende (1470-1536), Pedro Bonifrate está de volta com Corisco (2021, OAR). Produzido em um intervalo de quatro anos, o registro marcado por questões existencialistas, medos e experiências oníricas parte de inquietações e conflitos pessoais do músico carioca, porém, cresce para além dos limites de uma obra particular. São canções que discutem a passagem do tempo e relações humanas de forma sempre enigmática, torta, como fragmentos instrumentais e poéticos que se revelam ao público em uma medida própria de tempo.

O que seremos nós? / Imersas ilhas? / Máquinas de si mesmas? / Flutuações nos sonhos de outrem?“, questiona na introdutória Rei Lagarto, composição que sintetiza parte das experiências incorporadas pelo músico ao longo da obra. Pouco menos de seis minutos em que Bonifrate passeia em meio a guitarras cósmicas, ruídos e melodias delirantes, como uma parcial fuga da estrutura delimitada que marca o antecessor Museu de Arte Moderna (2013), de onde vieram faixas como a cantarolável Eu não vejo Teenage Fanclub nos Teus Olhos e Soneto Estrambótico. Ideias que flutuam em um campo aberto às possibilidades, sempre de maneira imprevisível, como se esperassem por uma possível ordem, talvez orientada pela voz econômica soprada pelo multi-instrumentista carioca.

Entretanto, mesmo nesse cenário marcado por improvisos e quebras conceituais, Corisco está longe de parecer uma obra abstrata. Do momento em que tem início, na já citada Rei Lagarto, até alcançar a segunda parte da derradeira faixa-título, Bonifrate sabe exatamente que direção seguir dentro de estúdio. São canções que falam sobre a inevitabilidade de um futuro caótico e a incerteza da existência humana, porém, partindo de observações políticas e comportamentais que apontam para o presente. “Os raios detrás da montanha / Lampejam pra te avisar / Que eventualmente o mundo vai se acabar“, anuncia logo nos primeiros minutos do registro, como uma representação poética e temática de tudo aquilo que busca desenvolver mesmo nos momentos de maior calmaria do álbum.

Nesse sentido, Corisco funciona como uma extensão do material entregue pelo próprio músico em Terceira Terra (2015), último disco da Supercordas, antiga banda de Bonifrate. A diferença está no tratamento dado aos versos. Enquanto o trabalho entregue há seis anos parecia explorar paisagens descritivas e conceitos pós-apocalípticos a partir de uma visão de futuro bastante específica, com o presente álbum, o foco está no indivíduo. São reflexões particulares, medos e indagações, proposta que naturalmente estreita a relação com o ouvinte. “Algo há de errado comigo / Tento decifrar os signos luminosos na escuridão do asfalto / Mas não consigo“, canta em Grande Nó, bem-sucedida colaboração com Betina Rodrigues. É como se o compositor fluminense partisse de questões pessoais e crises existencialistas para discutir o universo ao redor. “Tudo há de errado no mundo“, completa.

Mesmo a base instrumental do disco segue por uma trilha pouco usual quando próxima dos antigos trabalhos de Bonifrate. Exemplo disso acontece em Cara de Pano. São pouco mais de três minutos em que o compositor parte de uma abordagem nostálgica, lembrando as colaborações entre Roberto Carlos e Lafayette Coelho, para mergulhar em uma estrutura totalmente futurística. E isso fica ainda mais evidente na extensa Grande Nó. Em um intervalo de nove minutos, tempo de duração da faixa, o músico carioca passeia em meio a incontáveis camadas de sintetizadores e guitarras carregadas de efeitos, conceito também reforçado na brilhante Casiopeia, composição que ganha ainda mais destaque por conta da letra que utiliza de experiências pessoais para mergulhar no cosmos.

Dentro desse cenário marcado pelas possibilidades, Bonifrate entrega ao público uma obra em que utiliza de uma série de elementos, temas e conceitos que se acumulam em mais de duas décadas de carreira, porém, partindo de um precioso senso de renovação e busca por novos caminhos criativos. Composições que resgatam a mesma atmosfera lisérgica impressa no fino repertório de Sapos Alquímicos na Era Espacial (2002), primeiro registro do músico em carreira solo, mas que a todo momento esbarram em debates políticos e formulações existencialistas que parecem típicas do trabalho do artista no Supercordas. Um misto de passado, presente e futuro, proposta que orienta a experiência do ouvinte de forma sempre instigante durante toda a execução do material.

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Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.