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Crítica

Djonga

: "O Dono Do Lugar"

Ano: 2022

Selo: A Quadrilha

Gênero: Hip-Hop, Rap

Para quem gosta de: BK, FBC e Don L

Ouça: Tôbem e A Cor Púrpura

5.0
5.0

Djonga: “O Dono Do Lugar”

Ano: 2022

Selo: A Quadrilha

Gênero: Hip-Hop, Rap

Para quem gosta de: BK, FBC e Don L

Ouça: Tôbem e A Cor Púrpura

/ Por: Cleber Facchi 20/10/2022

Djonga tem sempre alguma coisa para falar. Pouco mais de um ano após o lançamento de Nu (2021), trabalho em que reflete sobre a própria postura errática e cancelamento vivido após uma apresentação lotada em plena pandemia de Covid-19, o rapper mineiro está de volta com O Dono Do Lugar (2022, A Quadrilha). Conceitualmente inspirado pelos embates reais e imaginários de Dom Quixote de la Mancha, proposta reforçada na própria imagem de capa, o registro destaca a potência das rimas, porém, tropeça na repetição de ideias e temáticas que tem sido exaustivamente exploradas pelo artista a cada novo álbum.

A exemplo dos discos anteriores, Heresia (2017), O Menino Que Queria Ser Deus (2018), Ladrão (2019) e Histórias da Minha Área (2020), Djonga concentra todas as informações sobre o trabalho logo na composição de abertura, nesse caso, Tôbem. São pouco mais de três minutos em que o rapper trata de conquistas pessoais, discute racismo estrutural, bate de frente contra a indústria da música e antecipa possíveis críticas por meio da autoafirmação e ascensão econômica. “Fazendo grana e mostrando meu dedo médio pra esses lixo / Eu tô bem / Eu multiplico, eu dobro o lucro, eu invisto, e aí? / E eu tô bem“, rima.

O problema é que esse mesmo direcionamento criativo, sempre autoindulgente, acaba se repetindo a cada nova composição. São faixas como Dom Quixote (“Essas rimas que não vendem mais / Me deram um carro / Essas rimas que não vendem mais / Me deram roupas“), Bala Fini (“Mesmos pés, novos tênis / Outro bolso, mesmos manos“) e Bode (“Ganho como rico, só que vivo como pobre / Acelero minhas Porsche só pelas ruas do bairro“) que dão voltas em torno de um mesmo conjunto de ideias. Nem o diálogo com novos colaboradores, como a dupla Tasha & Tracie, em Até Sua Alma, rompe com essa abordagem previsível.

Nos poucos momentos em que se distancia desse resultado, Djonga se concentra na produção de faixas ainda mais problemáticas. Em Conversa Com Uma Menina Branca, por exemplo, o rapper utiliza de uma perigosa relativização de assédio para justificar a fúria quase misógina despejada contra a personagem central da canção. “Ela disse que odeia as cantada no busão / É nojento, eles passam a mão … E a moça da área que foi abusada no busão / Enquanto o caso tá em apuração / Ainda é cobradora no busão“, rima. O mesmo desprezo pelas mulheres se reflete na recorrente temática da traição, tema abordado pelo artista em composições como a já conhecida Solto, mas que volta a se repetir ​nos versos de Em Quase Tudo.

Embora consumido pela poesia controversa e pequenas repetições que acompanham o ouvinte até os minutos finais, O Dono Do Lugar reserva algumas surpresas. Além da já citada faixa de abertura, Djonga acerta em A Cor Púrpura, nona composição do disco. Parcialmente distante do universo de conquistas pessoais, o artista investe na construção de narrativas que se aprofundam em diferentes personagens, todos pretos, e a forma como suas vidas foram transformadas pelo toque. São versos que tratam sobre abuso infantil, violência policial e memórias de um passado ainda recente de forma bastante sensível.

Pena que a base instrumental da composição parece incapaz de dar conta da potência dos versos. E isso acaba se refletindo durante toda a execução do material. Do encaixe das vozes à construção das batidas assinadas por nomes como Coyote Beatz e Rapaz do Dread, O Dono Do Lugar se projeta como uma obra totalmente desprovida de identidade, estéril. É possível antecipar cada movimento dos produtores ao longo do repertório, o que torna a experiência de ouvir o trabalho ainda menos interessante. São canções consumidas pela pressa desnecessária do artista em concluir um novo álbum a cada ano, como uma sucessão de registros que tão logo são apresentados ao ouvinte, rapidamente caem no esquecimento.

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Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.