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Ano: 2021

Selo: Slap

Gênero: Jazz, MPB, Instrumental

Para quem gosta de: Amaro Freitas e Zé Manoel

Ouça: Nascimento, Esperança e Caminho

8.0
8.0

Jonathan Ferr: “Cura”

Ano: 2021

Selo: Slap

Gênero: Jazz, MPB, Instrumental

Para quem gosta de: Amaro Freitas e Zé Manoel

Ouça: Nascimento, Esperança e Caminho

/ Por: Cleber Facchi 08/06/2021

Música que provoca, acolhe, tensiona e cura. Dois anos após o lançamento de Trilogia do Amor (2019), de onde vieram acertos como Borboletas e Sonhos, o pianista carioca Jonathan Ferr está de volta com sua maior obra: Cura (2021, Slap). Ponto de equilíbrio entre o que há de mais acessível no jazz e na produção contemporânea, o registro de nove faixas faz da cada composição um precioso objeto de estudo. São delicadas paisagens instrumentais que preservam a essência dos antigos trabalhos do artista, porém, estabelecem no curioso atravessamento de vozes, ruídos e novos debates sociais um importante componente de transformação. Instantes em que compositor transita por entre gêneros e diferentes abordagens criativas de forma a construir e expandir a própria identidade.

Não por acaso, Ferr, que já colaborou com nomes como Tuyo e Poss, inaugura o disco com a releitura de Sino da Igrejinha. Partindo de uma base diminuta, íntima de outras interpretações da faixa, a canção de domínio público rapidamente se transforma em um turbilhão instrumental quando arranjos de cordas sobrevoam as notas ritmadas que escapam do piano do artista. É como se o músico apresentasse parte dos temas que serão explorados ao longo da obra, estrutura que ganha ainda mais destaque na sonoridade transcendental da composição seguinte, Nascimento. Confessa homenagem a Milton Nascimento, o registro de quase seis minutos reflete a capacidade do compositor em lidar com os instantes, alternando entre momentos de evidente leveza e atos de maior grandiosidade.

Em Choro, terceira faixa do disco, Ferr mais uma vez assume a tarefa de revisitar o passado, porém, partindo de uma interpretação particular. São pianos melancólicos que evocam a obra de Tom Jobim, mesmo estabelecendo na sobreposição enevoada das melodias um precioso componente de ruptura, preparando o terreno para o material que cresce na necessária Esperança. Uma das principais faixas do disco, a canção posiciona os pianos do artista em segundo plano para alavancar o poema brilhantemente interpretado pelo ator Serjão Loroza. “Fora homofóbico! Misógino! Fora racista! Seu preconceito mata mais que mil fuzis. E legitima as barbáries que acontecem nos Brasis“, dispara sem necessariamente perverter a candura e proposta de “música-medicina” que cresce no restante da obra, conceito reforçado nos momentos finais da composição. “Um sonho de um mundo com amor, afeto e abundância. Porque eu sei, que a cada nove meses, nasce uma nova esperança“, completa.

Passado o impactante encontro com Loroza, a sequência composta por Felicidade, Chuva e Amor reflete o lado mais sensível do trabalho. São minuciosas camadas de pianos, arranjos de cordas e ambientações macias que parecem envolver e confortar o ouvinte. Um lento desvendar de ideias e experiências que invariavelmente aponta para o material apresentado em Trilogia do Amor, contudo, partindo de uma abordagem ainda mais sensível e detalhista. Dos estalos ritmados que ecoam ao fundo de Amor, passando pela estrutura ascendente de Chuva, composição que parte de uma base reducionista para transbordar criativamente, tudo soa como um exercício do completo domínio de Ferr em estúdio, capaz de emocionar o espectador mesmo na completa ausência de palavras.

Esse mesmo esmero acaba se refletindo na sofisticada colaboração com o violoncelista Jaques Morelenbaum, em Sensível. Inaugurada pelo piano solitário de Ferr, a faixa rapidamente se transforma em um precioso exercício criativo quando as cordas do convidado sutilmente invadem a composição. Instantes em que a dupla se divide entre momentos de maior comoção e doce recolhimento, cuidado que se reflete até a última nota do registro. O mais impressionante talvez seja perceber como tudo isso se resolve em um intervalo curtíssimo de tempo. São pouco mais três minutos em que os dois instrumentistas parecem conduzir o ouvinte para diferentes territórios, riqueza que se reflete em outros momentos ao longo da obra, como em Nascimento e na introdutória Sino da Igrejinha.

Entretanto, com a chegada de Caminho, canção de encerramento do disco, o que parecia belo, ganha novo e deslumbrante significado nas mãos do compositor. Enquanto as melodias do pianista carioca vão de encontro ao mesmo soul espiritual de Aretha Franklin, vozes declamadas pela filósofa e poetisa Viviane Mosé potencializam a forte carga emocional que invade a canção. O resultado desse processo está na entrega de uma faixa que sintetiza tudo aquilo que o músico incorpora desde a introdutória Sino da Igrejinha, porém, partindo de abordagem essencialmente tocante, capaz de estreitar ainda mais a relação com público. Um eficaz exercício de fechamento, mas que instantaneamente convida o ouvinte a reviver as experiências apresentadas em Cura por Ferr.

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Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.