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Crítica

Kelela

: "Raven"

Ano: 2023

Selo: Warp

Gênero: R&B, Eletrônica

Para quem gosta de: FKA Twigs, Björk e Arca

Ouça: Happy Ending e Contact

8.5
8.5

Kelela: “Raven”

Ano: 2023

Selo: Warp

Gênero: R&B, Eletrônica

Para quem gosta de: FKA Twigs, Björk e Arca

Ouça: Happy Ending e Contact

/ Por: Cleber Facchi 16/02/2023

Em meados de 2019, durante as comemorações de três décadas de fundação da gravadora inglesa Warp Records, diferentes artistas foram convidados a produzir compilações inspiradas pelo catálogo do selo. Na ocasião, Kelela decidiu investir em uma abordagem diferente, cantando em cima de bases produzidas por veteranos como Autechre, porém, mergulhando de cabeça no uso de ambientações etéreas e canções assinadas por compositores historicamente marcados pelo caráter atmosférico de suas obras, caso de Takashi Kokubo e Susumu Yokota. Na época, ninguém desconfiava, mas tudo não passava de um ensaio para o que se revela de forma ainda mais complexa e musicalmente interessante em Raven (2023, Warp).

Com o corpo e parte do rosto submersos logo na imagem de capa do disco, o sucessor do expositivo Take Me Apart (2017) segue uma trilha parcialmente distinta quando próximo do registro que o antecede. Trata-se de uma obra imersiva. Composições que ganham forma e crescem em uma medida própria de tempo, como um espaço aberto à contemplação e ao lento desvendar de Kelela sobre os próprios sentimentos. “Seguindo em frente, em uma mudança de ritmo, eu estou distante“, detalha na introdutória Washed Away, música que não apenas indica a mudança de direção adotada pela cantora em estúdio, como apresenta uma série de componentes, timbres e vozes que acabam se refletindo até os minutos finais, em Far Away.

Parte desse resultado vem do esforço da artista em desenvolver uma obra fechada. São estruturas que partem sempre de uma mesma base de sintetizadores, batidas e fragmentos de vozes interconectadas que acabam servindo de passagem para a composição seguinte. Dessa forma, mesmo faixas já conhecidas, como On The Run, ganham novo significado quando observadas em unidade, vide a transição proposta na música anterior, a reducionista Let It Go. A própria a escolha dos temas parece orbitar um universo bastante particular. Canções que tratam de abandono, crises existenciais, rupturas e distanciamento.

Você está muito longe / Sempre soube que poderíamos ter sido algo“, confessa na melancólica Happy Ending. É como um passeio pela mente e conflitos experienciados pela artista. Instantes em que Kelela utiliza das próprios inquietações de forma a dialogar com os traumas e sentimentos mais profundos do ouvinte. Mesmo quando acelera em pontos estratégicos e estreita relações com as pistas, como em Contact, a dor se revela como um componente fundamental para o desenvolvimento do disco. Composições que não necessariamente se repetem, mas em nenhum momento rompem com o caráter homogêneo do registro.

Interessante perceber tamanha consistência e forte aproximação entre as composições justamente em uma obra marcada pelo aspecto colaborativo. Da mesma forma que os registros que o antecedem, como a mixtape Cut 4 Me (2013) e o elogiado Hallucinogen EP (2015), Raven abre passagem para uma série de parceiros criativos vindos dos mais variados campos da música. São nomes como Kaytranada, LSDXOXO e Badsista que surgem e desaparecem durante toda a execução do álbum. Nada que pareça diminuir o domínio da artista em relação ao próprio trabalho, afinal, os holofotes nunca deixam de apontar para ela.

Vem justamente desse caráter homogêneo e repetições ocasionais o estímulo para os momentos de maior instabilidade e consequente desgaste da obra. Por se tratar de um registro marcado pelo forte aspecto sentimental, correndo o risco de parecer monotemático, Raven tende a consumir a experiência do ouvinte quando parte dos elementos e temáticas são apresentadas nos minutos iniciais. O próprio direcionamento atmosférico dado ao disco parece contribuir ainda mais para esse resultado. Felizmente, Kelela e seus parceiros estabelecem no uso de pequenas experimentações com a música eletrônica um precioso ponto de ruptura, conduzindo com destreza e profunda sensibilidade os rumos do trabalho até os minutos finais.

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Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.