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Crítica

Pauline Anna Strom

: "Angel Tears in Sunlight"

Ano: 2021

Selo: RVNG Intl.

Gênero: Eletrônica, Música Ambiente, Experimental

Para quem gosta de: Kaitlyn Aurelia Smith, Holly Herndon e Oneohtrix Point Never

Ouça: Marking Time e Equatorial Sunrise

8.3
8.3

Pauline Anna Strom: “Angel Tears in Sunlight”

Ano: 2021

Selo: RVNG Intl.

Gênero: Eletrônica, Música Ambiente, Experimental

Para quem gosta de: Kaitlyn Aurelia Smith, Holly Herndon e Oneohtrix Point Never

Ouça: Marking Time e Equatorial Sunrise

/ Por: Cleber Facchi 24/02/2021

Nascida cega, Pauline Anna Strom (1946 – 2020) encontrou na música uma forma de interpretar o mundo a própria volta. São canções marcadas pelo desenho torto dos sintetizadores, estruturas inexatas e ambientações que se revelam ao público em uma medida própria de tempo, sem pressa. Exemplo disso está em toda a sequência de obras produzidas pela musicista norte-americana entre 1982 e 1988, período em que lançou três álbuns de estúdio – Trans-Millenia Consort (1982), Plot Zero (1983) e Spectre (1984) –, e outras quatro fitas cassete – The Moorish Project (1988), Japanese Impressions (1988), Aquatic Realms (1988) e Mach 3.04 (1988) –, em que se permite provar de diferentes abordagens criativas que influenciaram nomes importantes como Kaitlyn Aurelia Smith e Oneohtrix Point Never.

Distante da música por quase três décadas, a artista que abandonou a carreira por questões financeiras e mergulhou em um processo de cura espiritual por meio da meditação, fez um retorno tímido há pouco mais de quatro anos, quando o selo RVNG Intl. lançou a coletânea Trans-Millenia Music (2017). Concebido a partir de versões remasterizadas de algumas das principais composições da musicista, o trabalho seria apenas um preparativo para a volta definitiva de Strom com um novo registro de inéditas, processo que se completa com a chegada de Angel Tears in Sunlight (2021, RVNG Intl.).

Finalizado meses antes ao falecimento da compositora, em dezembro do último ano, o registro de nove faixas soa como uma extensão natural de tudo aquilo que Strom tem produzido desde a estreia com Trans-Millenia Consort. Do momento em que tem início, em Tropical Convergence, perceba como a artista se concentra na produção de um material essencialmente orgânico, como se dotado de vida própria. São incontáveis camadas instrumentais que surgem e desaparecem durante toda a execução da trabalho, como pontos luminosos que brilham de forma a revelar diferentes formas e experiências sensoriais.

Exemplo disso pode ser percebido em Temple Gardens at Midnight, quarta faixa do disco. Produto da lenta sobreposição dos elementos, a canção de essência atmosférica funciona como um passeio noturno onde o canto misterioso de estranhas criaturas parece cercar o ouvinte. Difícil não lembrar da trilha sonora de The Legend of Zelda: Ocarina of Time (1998) e das ambientações incorporadas no cultuado Mother Earth’s Plantasia (1976), grande obra de Mort Garson. São frações minimalistas, porém, complexas na forma como Strom costura cada um desses elementos dentro de um universo que parece maior e mais interessante a cada nova audição.

Esse mesmo cuidado pode ser percebido em diversos outros momentos ao longo do trabalho. São músicas como Small Reptiles on the Forest Floor e The Eighteen Beautiful Memories em que a artista mais uma vez transporta o ouvinte para uma realidade paralela, porém, aponta o caminho a ser percorrido no interior do trabalho. Da mesma forma que em Trans-Millenia Consort, onde abre as portas para um mundo mágico, Storm estabelece no uso ritmado dos sintetizadores um elemento percussivo de condução, proposta que orienta a experiência do público até o último segundo da obra, na também delicada Tropical Rainforest.

Registro final de uma artista que se dedicou a interpretar a realidade de forma transcendental, Angel Tears in Sunlight está longe de parecer uma despedida. Mesmo regido pelo título melancólico e inevitável proximidade com a morte da compositora, difícil não pensar no álbum como uma celebração. Da atmosfera acolhedora que sutilmente invade o disco ao uso de melodias cintilantes, tudo soa como uma tentativa da artista em transportar para dentro de estúdio parte das experiências acumuladas no processo de transformação espiritual vivido nos últimos anos. Canções que funcionam como um aceno breve de Strom, mas que a todo momento servem de passagem para um novo território criativo.


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Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.