Disco: “Convoque Seu Buda”, Criolo

/ Por: Cleber Facchi 10/11/2014

Criolo
Hip-Hop/Alternative/Rap
http://www.criolo.net/

Por: Cleber Facchi

O som de uma corredeira dissolvido em meio ao canto dos pássaros. Instantes de serenidade. Em um ruído crescente, a interferência de passos acelerados. Pausa. Acompanhado do som metálico de uma espada, explode o agressivo grito de um guerreiro. Caos.

Em uma representação precisa, quase visual, a “cena” que ocupa os segundos iniciais de Convoque Seu Buda (2014, Oloko) parece resumir todo o cenário turbulento que Kleber Cavalcante Gomes, o Criolo, desenvolve ao longo da presente obra.

Terceiro álbum de estúdio do rapper paulistano – o segundo desde que abandonou o título de “Doido” -, Convoque Seu Buda pode até seguir a trilha do antecessor, o elogiado Nó Na Orelha (2011), porém, está longe parecer uma cópia ou provável sequência. Do diálogo reformulado com a MPB de Gil e Caetano – vide o canto rimado em Pegue Pra Ela e arranjos de Plano de Voo -, passando pelo samba “político” em Fermento Pra Massa, Criolo parece redescobrir a própria essência. Musicalmente, um trabalho que esbarra em conceitos do disco anterior; em se tratando das rimas e temas explorados, um universo completamente novo.

Do Grajaú ao bairro nobre de Jardins, Criolo passeia descritivo pela cidade de São Paulo. Longe de ser o personagem central da própria obra, conceito explorado no álbum anterior, o rapper assume agora o papel de observador, mergulhando em temas cotidianos. O que antes era lançado com nostalgia nas memórias de Subirusdoistiozin, ou mesmo confissões na melancolia de Não Existe Amor Em SP, hoje cresce em meio a pequenos recortes urbanos. Incêndios criminosos nas favelas, desocupações, consumismo, dinheiro e ostentação; gravado logo após a Copa do Mundo, Convoque Seu Buda é um diálogo atento com o presente.

Em se tratando das batidas, arranjos e bases instrumentais, quando próximo ao disco de 2011 o novo álbum é uma clara evolução. Fruto da constante interferência e detalhada produção da dupla Marcelo Cabral e Daniel Ganjaman, também responsáveis pelo construção do trabalho anterior, cada peça do registro reflete grandeza. São guitarras psicodélicas em Plano de Voo, referências tropicalistas em Pegue Pra Ela, além da expansão de temas orquestrais, uma espécie de complemento natural para as rimas e crescente utilização de versos cantados – vide Esquiva da Esgrima.

Em entrevista recente, Criolo confessou que Convoque Seu Buda “não existiria” sem a presença de Cabral e Ganjamen. E não é por menos. Responsáveis pela organização do imenso acervo musical da obra – que também conta com Thiago França (Saxofone), Maurício Badé (percussão), Kiko Dinucci (Guitarra) e outros nomes fortes da cena nacional -, os produtores parecem conceber o registro para além dos limites de estúdio. O baixo que estimula as palmas em Casa de Papelão, um refrão que clama pelo coro em Esquiva da Esgrima; instantes de euforia planejada que parecem pensados para a sempre enérgica apresentação do rapper (e sua banda) nos palcos.

Interessante perceber que mesmo sério, talvez pessimista em se tratando dos temas que o definem, Convoque Seu Buda em nenhum momento sufoca pelo excesso de sobriedade. Com equilíbrio, Criolo articula instantes de descompromisso em Pé De Breque e Fermento Pra Massa, abre espaço para os vocais de Tulipa Ruiz e Juçara Marçal, além de tirar sarro de si mesmo no verso “A alma flutua/ Leite a criança quer beber/ Lázaro, alguém nos ajude a entender“, uma clara referência à entrevista com Lázaro Ramos que virou piada no BuzzFeed.

Como a bagunçada e colorida capa indica, Convoque Seu Buda é uma obra imensa, articulada em meio a referências e elementos que parecem crescer dentro e fora do universo de Criolo. Um cenário de prédios luxuosos, barracos, religiosidade e batalhas diárias que se espalham a partir do golpe seco de espada que apresenta o disco.

 

Convoque Seu Buda (2014, Oloko)

Nota: 8.5
Para quem gosta de: Emicida, Rael e Kamau
Ouça: Esquiva da Esgrima, Convoque Seu Buda e Plano de Voo

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.