Disco: “Cores e Valores”, Racionais MC’s

/ Por: Cleber Facchi 03/12/2014

Racionais MC’s
Hip-Hop/Rap/Rap Nacional
http://www.racionaisoficial.com.br/

Por: Cleber Facchi

A sensação de estranheza é inevitável durante as primeiras audições de Cores e Valores (2014, Cosa Nostra). Batidas eletrônicas secas, versos orientados em uma estrutura cíclica, por vezes limitada, e uma nítida atmosfera de distanciamento lírico fazem do sexto registro em estúdio do Racionais MC’s a obra mais particular (quase isolada) já composta pelo quarteto paulistano. A julgar pela base que representa a faixa de abertura, uma variação de Royals da cantora Lorde, não seria um erro afirmar que a essência projetada pelo grupo – Mano Brown, Edi Rock, Ice Blue e KL Jay – durante mais de duas décadas foi desconstruída.

Passados 12 anos desde o lançamento de Nada como um Dia após o Outro Dia, em outubro de 2002, é necessário perguntar: o que você esperava de um novo álbum do Racionais? Composições extensas discutindo os problemas da periferia? Emicida, Rael e Ogi investiram nos mesmos conceitos recentemente. Faixas discutindo criminalidade, drogas e racismo? Projota, Karol Conká, Rashid, Criolo e tantos outros assumiram essa “função”. Há uma década, quando o grupo entrou em hiato, não apenas o espaço concedido ao Hip-Hop era diferente, talvez limitado, como a própria situação econômica, social e cultural do país era completamente outra. Jogar com regras antigas é parte de uma obrigação natural para qualquer artista veterano? Não para os Racionais.

Longe de parecer uma transposição forçada, com o novo álbum os “quatro pretos mais perigosos do Brasil” adaptam o próprio discurso a presente geração de ouvintes. Há 12 anos os quase nove minutos de Vida Loka II talvez fizessem sentido para o ouvinte limitado ao alcance físico de um Micro System. Entretanto, para uma massa de espectadores imersos em smartphones e rápidas mudanças de tela, a curta duração dos temas e o diálogo rápido com os meios digitas nasce como uma coesa transformação por parte do grupo. Não por acaso Cores e Valores foi antes apresentado no Google Play e Youtube do que em formato físico.

Pode parecer uma comparação absurda, mas a cíclica “Somos O Que Somos / Somos O Que Somos / Somos O Que Somos” provavelmente cause um impacto maior do que um esperado (e talvez repetitivo) resgate dos mesmos extensos versos lançados pelo coletivo na década de 1990. Todavia, a inteligência do quarteto vai além de um mero mecanismo de adaptação de formato. Regresso inevitável aos primeiros anos de estúdio do grupo, caso de Holocausto Urbano (1990) ou mesmo antes, dentro da coletânea Consciência Black, Vol. I (1988), Cores e Valores é uma obra de dois lados bem definidos, como um analógico LP dividido em “Lado A” e “Lado B”.

Da canção de abertura aos beats industriais de Eu Compro, a passagem para o “Lado A” do trabalho. Mais de dez minutos em que a produção de DJ Cia e Mano Brown flertam com a mesmo Hip-Hop eletrônico de Kanye West em Yeezus (2013), criam um plano de fundo para a imagem cênica da capa do trabalho – um misto de The Town (2010) com a série Sexta-Feira 13 – e ainda preparam o terreno para os futuros inventos do coletivo. Trap, Hip-Hop, Bass e uma pitada de nostalgia. Depois do aperitivo em Mil Faces de Um Homem Leal (2013) e Mente de Vilão (2012) você realmente esperava pelo mesmo Racionais MC’s de 2002?

Para aqueles que buscam pelo “Racionais das antigas”, a sequência de músicas pós-A Escolha Que Eu Fiz – o “Lado B” do álbum – ecoa como um inevitável regresso aos primeiros anos e “boa fase” do coletivo. Arranjos orgânicos na nostálgica Quanto Vale O Show – uma colagem de samples com a voz de Silvio Santos e a base de Gonna Fly Now, de Bill Conti -; ataques contra a imprensa em A Praça – um resgate da conturbada apresentação na Virada Cultural, em 2007 – e até temas melancólicos na melódica O Mau E O Bem – faixa que poderia ser encontrada em qualquer clássico do R&B nacional há duas décadas. Pouco mais de 15 minutos em que a essência da banda não apenas é resgatada, como adaptada ao presente.

 

Cores e Valores (2014, Cosa Nostra)

Nota: 8.0
Para quem gosta de: Emicida, RZO e Ogi
Ouça: Quanto Vale o Show, A Praça e Eu Compro

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.